Ler é mais importante do que escrever. Embora a escrita seja um modo de interferir na realidade, a leitura organiza o mundo dentro de nós. Desacomoda. Desestabiliza as certezas e põe o nosso modo de existir em xeque. A leitura te dá ferramentas para sair da caverna de Platão e enxergar a vida com mais lucidez.
No entanto, o verdadeiro leitor é aquele que volta para a caverna e pensa sobre o escuro. É em tempos sombrios que a leitura nos ajuda a entender esse pileque homérico no mundo. O verdadeiro leitor, munido de Shakespeare a Carolina Maria de Jesus, é capaz de enxergar de olhos fechados ou mesmo que de olhos abertos tenha pela frente apenas uma paisagem na neblina.
Eu guardo palavras e frases dentro mim porque este foi o modo que encontrei para viver. Quem tem livros em casa tem o universo. Mas quem carrega uma biblioteca dentro de si nunca está só. Num país em que desde a infância te dizem que você não pode ser leitor, porque há coisas mais urgentes, ler é um ato de transgressão e rebeldia.
No entanto, a leitura não evita equívocos políticos, porque conheço uma pá de gente culta, preconceituosa e insensível capaz de eleger um presidente genocida. Capaz de concordar com práticas de extermínio em massa. Ainda assim, acredito na leitura, porque ali existe a possibilidade da mudança, a possibilidade de não sermos tratados como rebanhos, nem como gado indo para o abate.
Tornei-me leitor por teimosia. Tornei-me leitor para discordar da vida. Fui um leitor tardio, pois a pobreza imperativa me dizia a todo o momento que eu não tinha o direito ao livro, porque, antes dele, é preciso comer, é preciso ter onde morar, é preciso se esquivar da violência e do racismo. Tornar-me leitor foi o ato mais transgressor da minha vida.
Mas vejam bem, não foram os livros que me salvaram. O que me salvou foi o que fiz com minhas leituras. Mas posso dizer que a legião de livros que hoje habitam a minha casa me colocou de pé e me trouxe até aqui. E foram esses mesmos livros que sempre disseram: continue, Tenório, continue.