
Na semana passada, a UFRJ concedeu à escritora Carolina Maria de Jesus, por unanimidade, o título de doutora honoris causa em uma sessão do Conselho Universitário. A escritora negra, catadora de papel e moradora da favela do Canindé surgiu em meados da década de 1960 como um dos grandes acontecimentos na história da literatura brasileira. Com seu livro Quarto de Despejo, Carolina expôs as mazelas de favelados, mas trouxe também uma escrita sensível sobre a condição humana.
O título foi concedido 44 anos após sua morte. O reconhecimento, ainda que tardio, revela a força de Carolina, mas também o quanto a reparação social para os negros vai a passos lentos. Carolina foi traduzida para 13 línguas. Vendeu mais de 1 milhão de exemplares. Estampou manchetes pelo mundo, como no jornal Le Monde e na revista Time. Foi e é tema de inúmeras dissertações e teses acadêmicas dentro e fora do país.
Longe de um exemplo meritocrático, Carolina é uma exceção à regra. Por sorte e através de muita luta, a literatura negra vem ganhando espaço no mercado editorial brasileiro. Embora longe do ideal, Carolina abriu espaço para que mais mulheres negras pudessem trilhar caminhos do reconhecimento, como é caso de Conceição Evaristo, Cidinha da Silva e Fernanda Bastos, só para citar alguns dos nomes mais relevantes da literatura contemporânea.
Tal honraria confirma a importância da escritora que discordava da vida. Assim, deixo aos leitores um trecho de Quarto de Despejo para saborearem a literatura corajosa e consciente de Carolina, um convite para conhecerem sua obra, que em breve ganhará reedição pela editora Companhia das Letras: “Eu escrevia peças e apresentava aos diretores de circos. Eles respondiam-me:
— É pena você ser preta.
Esquecendo-se eles que eu adoro a minha pele negra, e o meu cabelo rústico. Eu até acho o cabelo de negro mais educado do que o cabelo de branco. Porque o cabelo de preto onde põe, fica. É obediente. E o cabelo de branco, é só dar um movimento na cabeça ele já sai do lugar. É indisciplinado. Se é que existe reincarnações, eu quero voltar sempre preta”.