A polêmica levantada pelo youtuber Felipe Neto ao dizer que "Forçar adolescentes a lerem romantismo e realismo brasileiro é um desserviço das escolas para a literatura. Álvares de Azevedo e Machado de Assis não são para adolescentes! E forçar isso gera jovens que acham literatura um saco" é interessante, mas não pode servir para culpabilizar autores como Machado de Assis, muito menos os professores. A declaração faz parte da corrente "crie uma treta literária e saia".
Existe ainda o senso comum em associar a leitura ao prazer imediato, como se a leitura para jovens só valesse se ele fosse fisgado na primeira linha de um livro. Ensinar a ler literatura deve ir além da primeira linha. É preciso ensinar que existe prazer no desafio da linguagem. Em meu último livro, O Avesso da Pele, um professor de literatura leva Crime e Castigo, de Dostoiévski, para uma turma de alunos desajustados, mesmo com todas as dificuldades impostas pela linguagem do autor russo.
Também é comum dizer que os jovens leem pouco. O que não é verdade. Adolescentes leem muito, seja em redes sociais, mangás ou as fanfics que fazem as suas cabeças. Mas vejam, é um erro achar que as leituras se excluem. Os alunos têm o direito de ler tudo: de Harry Potter a Machado. No entanto, concordo com Italo Calvino em Por que Ler os Clássicos: "a escola tem a obrigação de apresentar os clássicos aos alunos". A questão não é, portanto, Machado e a sua linguagem, mas a estrutura educacional precária que veda o acesso à linguagem machadiana.
Além disso, desserviço é deixar de apresentar um dos grandes escritores negros brasileiros. Neste sentido, uma mediação de leitura é imprescindível. Ou seja, não se joga um Dom Casmurro no colo de um adolescente dizendo se vira aí. A responsabilidade para formar leitores não é exclusividade do professor, passa antes pela família, por bibliotecas, por acesso aos livros e, principalmente, por políticas públicas de fomento à leitura que, aliás, foram completamente esquecidas pelo atual governo. Viva Machado de Assis.