Duas coisas me salvaram da minha infância difícil: a solidão e as palavras. Fui uma criança que gostava de estar só. Cultivava o isolamento como uma espécie de proteção. Não tinha vontade de interagir com as outras crianças. Ainda que eu não estivesse alfabetizado aos seis anos, lembro de criar histórias e de conversar com personagens. A imaginação me deu uma segunda chance. A palavra era tudo que eu tinha. Agarrei-me a ela e me tornei escritor. Mas até que isso ocorresse, descobri, a duras penas, o quanto o mundo contava histórias que raramente me representavam.
O Perigo de uma Única História, título de uma das palestras mais assistidas do TED Talks, proferida pela escritora nigeriana Chimamanda Adichie, revela a infância da autora marcada por modelos literários europeus. E o quanto esses mesmos modelos influenciaram o seu imaginário. Chimamanda reflete sobre o risco de termos acesso apenas a uma determinada versão. No Brasil, não é diferente. Por séculos, ouvimos e lemos histórias de um único ponto de vista. No entanto, as narrativas negras, indígenas e trans, por exemplo, têm ganhado mais visibilidade nos últimos anos.
Numa leitura colonialista, a diferença sempre foi vista como um problema. Como reação, surge o discurso da igualdade. A ideia do “somos todos iguais”. No entanto, tal discurso também é problemático, pois pode promover o apagamento das identidades. Aliás, este é o sonho de um Estado colonial: chegar a uma unidade e passar por cima das individualidades. Por vezes, há uma grande pressa em se chegar ao “somos todos humanos”. Eu também tenho pressa. No entanto, não se chega no universal sem antes passar pelo particular. É no interior das relações que se luta contra o preconceito. É no particular que operamos as mudanças de mentalidade. O racismo é complexo demais e não se resolve na superfície.
Acredito que não somos nem diferentes e nem iguais. Nós somos singulares. Únicos e insubstituíveis. A diversidade nos salvará de nossa arrogância. Nos salvará do nosso egoísmo. A diversidade desestabiliza nossas certezas e é justamente isso que nos fortalece. É apostando no diverso que comporemos o mosaico social. A literatura não nos oferece uma verdade única sobre a vida. A literatura intui a verdade e nos indica o quanto é urgente lidarmos com o diferente.