O título da minha estreia como colunista de GZH refere-se ao documentário Eu Não Sou seu Negro, dirigido pelo haitiano Raoul Peck. O roteiro foi construído a partir de um texto inédito do escritor estadunidense James Baldwin (1924-1987), intitulado Remember This House (1979). Indicado ao Oscar em 2017, o filme reflete sobre a história racial conflituosa nos EUA, após os assassinatos de três líderes negros na luta pelos direitos civis: Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King.
James Baldwin sempre foi um intelectual que procurou fugir de rótulos. Negro, militante, homossexual e escritor, ele buscava o equilíbrio entre o ativismo e a construção ficcional para além da problemática do racismo e de sua sexualidade. A busca de Baldwin é, na verdade, a busca por um reconhecimento de humanidade. É a busca de todas as pessoas negras numa sociedade racista e, portanto, é a minha também.
Os meus leitores que me acompanharam até aqui sabem do meu compromisso com a literatura, com a educação e com as questões raciais. Neste sentido, não há como escrever uma coluna de estreia sem lembrar das vidas negras perdidas, vítimas da violência em 2020. Não há como não lembrar de George Floyd e João Alberto e tantas outras.
Em 2020, tornei-me o primeiro patrono negro da Feira do livro de Porto Alegre, publiquei um livro e fui parar nos principais jornais e revistas deste país. Dei inúmeras entrevistas e apareci na TV. No entanto, em meio à alegria do reconhecimento, tive de lidar com a tristeza e o gosto amargo de uma sociedade cruel e preconceituosa. Numa sociedade racista todos são afetados, brancos e negros. A diferença é que quem morre são sempre os negros.
A frase “Eu não sou seu negro” é também uma recusa à colonização do pensamento. Uma recusa a qualquer tentativa de redução da minha subjetividade à cor da minha pele. Eu não sou seu negro é uma recusa a uma pretensa tutela branca. É uma recusa a qualquer forma de cooptação. Escrever é intervir no mundo. E é também um exercício de liberdade. Portanto, não esperem de mim, nesta coluna, uma escrita apenas de assuntos raciais. Esperem uma escrita livre e diversa que possa contribuir para o debate cultural e político. Pois, como diria Baldwin: “Eu não sou seu negro”.
* O colunista Jeferson Tenório passa a escrever semanalmente em GZH.