No dia 1º de janeiro, os vereadores eleitos de Porto Alegre tomaram posse. Entre eles, Matheus Gomes: historiador, negro e mestrando pela UFRGS. Matheus se recusou a cantar o hino do Rio Grande do Sul. Matheus sabe bem o quanto o hino carrega as raízes do racismo gaúcho: “Povo que não tem virtude acaba por ser escravo”, como se a culpa da escravidão recaísse na vítima e não no agressor.
Gestos corajosos como os de Matheus remontam outros gestos históricos de insubordinação dentro de uma sociedade racista, como o da ativista norte-americana Rosa Parks. Em 1955, Rosa ficou marcada ao se recusar a obedecer a uma lei segregacionista que existia no transporte coletivo no Alabama, em que negros deveriam dar lugar aos brancos. A ação de Rosa deu início aos movimentos de luta pelos direitos civis.
Os tempos são outros, no entanto, o racismo persiste e se tornou mais sofisticado. Há outras formas simbólicas de segregação racial, tão sutis quanto a letra de um hino que, além disso, esconde a chacina dos soldados negros no massacre dos Porongos e traz ainda as marcas de uma arrogância incrível: “De modelo a toda a terra”.
Um hino faz parte de um sistema identitário que procura dar unidade ao povo. Por isso seu caráter é bélico, ufanista, exultante da bravura e cheio de beletrismos parnasianos. Um tempo datado, com seus contextos. No entanto, não significa que são intocáveis. Aliás, o Hino Rio-grandense já sofreu alterações. Em 1966, um trecho que fazia referência aos deuses gregos foi retirado porque, segundo o argumento do então deputado estadual Getúlio Marcantonio, a letra citava outros povos e não tinha relação com o povo gaúcho.
Na Austrália, o primeiro-ministro anunciou uma mudança no hino nacional para reconhecer a importância dos indígenas. Isso significa que os tempos estão mudando. É o momento de revermos nossos símbolos e modificá-los quando ferem a dignidade humana. Parabéns ao jovem Matheus Gomes e a toda a bancada negra de vereadores que já mostraram a que vieram: desnaturalizar o racismo.