Passei os últimos dois dias ouvindo gente das polícias, do Judiciário e do Ministério Público para entender por que, após um período de calmaria, a violência entre criminosos voltou a mostrar sua face na Região Metropolitana. Afinal, há dois anos os números de homicídios vêm caindo - e, num mês, foram registrados 29 assassinatos na Capital e outros dois municípios vizinhos. O que houve?
Parece ser muito mais uma violência entre quadrilhas do que homicídios ordenados pela chefia das facções criminosas que dominam o submundo gaúcho. Para o leitor entender: as facções são menos verticalizadas do que se supõe. Elas são coalizões de grupos criminosos que dominam a periferia das grandes e médias cidades do Rio Grande do Sul. Em muitos casos, os líderes desses bandos armados não seguem ordens da cúpula que se abriga nos presídios, atuam de forma relativamente independente. A ligação deles com as chefias é comercial. Estão autorizados a usar uma espécie de franquia da facção. Isso acontece na Fronteira Oeste, na metade sul do Estado e na Serra, por exemplo.
O Rio Grande do Sul vivenciou uma certa calmaria porque as duas maiores facções - uma originária do bairro Bom Jesus, em Porto Alegre, a outra do Vale do Sinos - estabeleceram um pacto de respeito territorial. Isso está claro para gente que frequenta o Presídio Central e, inclusive, para criminosos que nos relataram essa política de acabar com tantas cabeças cortadas.
Mas continua a guerra entre a facção da Bom Jesus e seus inimigos, uma coligação de quadrilhas dispersas que dominam partes da Vila Jardim, da Cruzeiro do Sul e da Maria da Conceição, por exemplo, com ramificações na Grande Porto Alegre. O fato de serem franquias autorizadas pela cúpula nos presídios não impede que continuem suas disputas particulares com bairros contíguos pelo domínio do tráfico, da receptação de produtos roubados, da venda de produtos falsificados e da prostituição.
O retorno ao Rio Grande do Sul dos chefes das facções que tinham sido enviados para presídios de segurança máxima em outros Estados ainda não parece estar relacionado a esses homicídios recentes. Pessoas que convivem no meio me disseram que gerentes de quadrilhas aproveitaram a ausência dos chefões para acertar suas contas com antigos desafetos, dentro e fora da facção. Então seria um surto, não uma epidemia. As autoridades torcem para que seja isso. Significaria que a curva dos homicídios pode continuar caindo neste ano e que os episódios de julho seriam uma interrupção apenas temporária na celebrada tendência de queda das mortes.