A jornalista Bruna Oliveira colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
Talvez você ainda não tenha ouvido falar, mas a profissão de azeitólogo está entre as que mais se destacam à medida que o mercado brasileiro de azeites vai conquistando reconhecimento. Sua nomeação na língua portuguesa é recente, mas o trabalho é de longa data e tem ares de requinte.
— Costumo dizer que é um trabalho como se fosse o de um perfumista — diz Ana Beloto, azeitóloga e um dos principais nomes do país nesta área.
Mineira, mas entusiasta da produção gaúcha, ela assina cinco blends (mistura de azeites de várias cultivares) de duas marcas no Rio Grande do Sul. Para completar, está entre as 100 Mulheres Poderosas do Agro listadas pela Forbes.
Na entrevista a seguir, conheça mais sobre o trabalho da profissional:
O que faz um azeitólogo?
Este ano, a Academia Brasileira de Letras reconheceu a palavra azeitólogo como comumente utilizada e parte do nosso dicionário. É a pessoa especializada em azeites na sua criação, que faz o acompanhamento de todo o processo produtivo. O azeitólogo trabalha junto aos agrônomos e produtores nos olivais, no processo final nos lagares e até no envaze do azeite. E auxilia a se obter determinadas propriedades e sabores. A figura do azeitólogo é também do profissional que vai ajudar o produtor a colocar o produto no mercado com as melhores características e referencial de marca.
Como entrou para este ramo?
Em 2002, como estudante de Comunicação Social, tive oportunidade de estagiar no setor de marketing de uma importadora de azeite. A partir dessa experiência, me apaixonei pelo azeite de oliva e percebi essa carência profissional e mercadológica no setor. Me especializei no mercado, fiz cursos de sommelier de azeite na Espanha, na Itália e, mais recentemente, no Uruguai. O Uruguai é um país membro do COI, que é o Conselho Oleícola Internacional, e isso credibiliza que a minha certificação seja internacional, já que o Brasil ainda não faz parte.
Você participa da criação de blends?
Sim. Uma das funções do azeitólogo é criar blends específicos. Um blend é você formular um azeite, mas tendo as características de solo, de clima, e também da intenção do produtor como marca e posicionamento no mercado. Costumo dizer que é um trabalho como se fosse o de um perfumista. No Rio Grande do Sul, tive a oportunidade de assinar cinco blends esse ano, para duas marcas diferentes. Foi interessante porque o terroir do Estado imprime uma personalidade diferente se a gente compara com a mesma variedade de olivais da Mantiqueira, por exemplo.
O que se leva em consideração na combinação dos sabores?
Temos uma tríade para considerar: o frutado, a picância e o amargor. Essa tríade positiva tem que estar equilibrada para que tenhamos um bom azeite.
É o que agrega valor ao azeite?
Isso. É o que imprime a ele uma personalidade e equilíbrio em termos de sabores e aromas. No caso de blends, trabalhamos também com sensoriais, que são as complexidades. Ou seja, trabalhar o melhor daquele terroir. Essa tríade é a primeira avaliação que temos.
Os azeites brasileiros aos poucos começam a ganhar os restaurantes da alta gastronomia. Qual a importância disso?
Muita! Assinei recentemente um blend para uma rede de restaurantes em São Paulo, inclusive um azeite gaúcho, o Batalha. Foi um trabalho muito desafiador porque o restaurante utiliza o azeite em todo o menu, desde a cozinha até a mesa. Isso cria acesso ao azeite brasileiro. Ainda estamos em uma cultura recente de conhecer o azeite produzido no nosso país. Criar esse acesso em um local que recebe uma média de 50 mil pessoas por mês potencializa as pessoas a se interessarem, de terem curiosidade e valorizar o que é nosso.
Que dicas você dá para quem quer começar o consumo? Como escolher um bom azeite?
Primeiro, pela data de validade ou envase mais recente. O azeite é o suco de uma fruta. E como qualquer suco, a gente quer o frescor. Esse frescor vai dar o máximo de aromas, de sabores, e o máximo de vitaminas, os polifenóis. Outra dica é a origem e procedência. Infelizmente, o azeite é um dos dez alimentos mais fraudados do mundo. Conseguimos bloquear isso conhecendo onde ele foi produzido e envazado. Mostra uma credibilidade de onde ele veio. Também vale observar embalagens que isolem o produto da luz (escuras e com boa vedação), e escolher um tipo extra virgem. Assim, estará consumindo sempre um produto de altíssima qualidade.
Que habilidades um azeitólogo precisa ter?
Primeiro, humildade de entender o melhor da terra e o que o produtor almeja. Estamos lidando com pessoas e muitas vezes o olival é o sonho deles. Também ter criatividade, porque requer pensar fora da caixa. Costumo dizer que temos que nos reverenciar aos azeites importados e mediterrâneos porque eles começaram essa história, mas não temos que ser espelho. Temos os nossos sensoriais e a personalidade dos azeites brasileiros. Depois, disciplina e paciência, porque não é o primeiro blend que dá certo.
Como você avalia a produção gaúcha?
É uma produção com qualidade. São produtores muito empenhados e estudiosos, querendo trazer o máximo de inovação e qualidade para o produto. Quando estive aí visitando alguns olivais, pude ver de perto o esmero dos produtores. A gente quer produzir azeite de qualidade, mesmo que seja em pouca quantidade ainda. E a maior felicidade é ver que vem crescendo, como uma safra recorde como foi esse ano no RS e de extrema qualidade.