A jornalista Bruna Oliveira colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
Uma das grandes dificuldades de quem vive o campo no dia a dia é a de comunicar o que o agro faz. Em um mundo digital como o de hoje, não faltam ferramentas para reduzir a fronteira entre o campo e a cidade. Mas ainda falta um olhar atento do mercado midiático — e também dos agricultores, para explorar o potencial do segmento nesse quesito. As barreiras a serem rompidas e o avanço da comunicação até aqui são temas de trabalho do publicitário Ricardo Nicodemos, presidente da Associação Brasileira de Marketing Rural (ABMR). Há 25 anos desbravando o ramo, ele reforça a importância de usar a informação para explicar o que é feito pelos produtores, principalmente para desmistificar rótulos.
— Via de regra, as pessoas não conhecem exatamente o que é o agro. Através do marketing e da comunicação nós podemos construir esse caminho — diz.
Na entrevista a seguir, conheça mais sobre seu trabalho.
Onde inicia a relação do marketing com o agro?
Num primeiro momento, o marketing e a publicidade parecem estar do lado de fora da porteira, o que não é verdade. Dentro do agro, você tem agências e consultorias que atuam na área. O que acontece é que o mercado da publicidade e da comunicação ainda não descobriram o agro. Estamos fazendo um trabalho intenso para levar esse conhecimento. Primeiro, fazendo conexões com associações para que compartilhem com seus associados que há um ecossistema no agro e muita oportunidade para profissionais e empresas. O agro tem um campo de oportunidades para bons profissionais.
E no que o marketing contribui para o agro?
O marketing transforma, agrega valor, cria relações, dá o direcionamento. É uma ciência que trabalha com dados e informações e transforma isso em comunicação. Ele pode atuar nas diversas fases das cadeias produtivas, transformando as informações que vêm dos órgãos de pesquisa para valorizar o setor, por exemplo. Algo que temos muita carência hoje, porque, via de regra, as pessoas não conhecem exatamente o que é o agro. Através do marketing e da comunicação nós podemos construir esse caminho.
Uma queixa frequente do setor é que existe uma dificuldade em comunicar o que é feito. O marketing ajuda nesta construção de imagem?
Sim, o marketing é a base. Se fizéssemos uma comparação, o marketing está para o agro ou para qualquer setor ou produto como está uma planta de arquitetura para uma obra. Ele que mostra os caminhos por onde se pode andar, desenha os pontos vulneráveis, quais as fortalezas e ajuda a construir o que chamamos de narrativa. Grande parte do que acontece hoje sobre as pessoas não conhecerem ou dos mitos que se criam é a falta de conhecimento. Não adianta dizer que determinada cultura fatura “x” por ano se isso não cria relações. O agro precisa criar relação com a população.
Dentro da porteira, o produtor já atentou para essa necessidade de comunicar?
Tenho a impressão de que ainda não. O trabalho de conscientização que se faz necessário, de ações de marketing e de agregação de valor, tem que começar dentro da porteira, no produtor rural. Ele precisa ter essa consciência e esse desejo de fazer com que o trabalho dele seja valorizado, comunicado. Na verdade, é uma grande cadeia que tem que andar unida para que se leve essa comunicação de forma concisa para a população.
Nesse ponto, a geração mais jovem de agricultores que assume as propriedades tem maior contato com internet e redes sociais. É um ponto positivo para que ocorra essa virada?
É um ponto positivo, sim. Os jovens acessam informações e publicidade em relação ao agro na internet e nos meios digitais, mas também nos meios convencionais. A nova geração de produtores vai ajudar bastante na questão do digital, mas o digital sozinho não consegue construir uma marca sozinho, eles precisam dos outros meios. A pesquisa da ABMRA sobre hábitos do produtor rural mostra que o rádio continua muito forte, por exemplo. Temos que trabalhar com uma visão de mix de comunicação.
Como o senhor direcionou a carreira para o agro?
Há cerca de 25 anos, eu fazia o atendimento de uma agência de propaganda para um laboratório farmacêutico que tinha uma divisão de saúde animal. Eu precisava entender como vivia o cliente do meu cliente. A parir daí fui visitar o campo e foi quando tive contato com produtores rurais, especialmente pecuaristas. Depois, atendi clientes da agricultura que me deram outra visão da dinâmica da cadeia, não só do produtor, mas dos vendedores da indústria, dos balconistas das revendas. Existe um ecossistema dentro da porteira que muitas vezes não é considerado. Conheci esses personagens e fui me envolvendo a cada projeto. Depois, conheci a ABMRA, comecei a participar como associado, coordenei o comitê de agências de publicidade, participei como diretor da entidade e depois durante quatro mandatos fui vice-presidente. Em janeiro, fui eleito presente.
É um mercado promissor para se trabalhar?
Sem dúvida. Não importa o ramo que você atue, o marketing tem áreas para qualquer disciplina. E o mesmo em publicidade. Mas o mercado ainda não está buscando esse profissional. Existe uma peculiaridade do mercado do agro, que grande parte dos profissionais que estão atuando hoje não são profissionais do marketing necessariamente, e sim técnicos que vem crescendo na área. Isso é um ponto que precisa ser trabalhado. Por outro lado, as empresas começam a buscar profissionais fora da porteira, o que também nem sempre é o ideal porque as dinâmicas são bastante diferentes. A comunicação está numa fase de evolução no agro.
Que habilidades um profissional dessa área precisa ter?
O primeiro ponto é ter sensibilidade. O agro é feito por pessoas. Você vê a inovação e a tecnologia no campo, avançamos muito nos últimos anos nesse sentido, mas tudo isso foi graças ao espírito empreendedor dos produtores. O profissional de marketing e de comunicação tem que ter essa sensibilidade. Há peculiaridades no mundo do agro e uma delas é a questão das relações humanas. No agro, as coisas acontecem no fio do bigode.