A jornalista Bruna Oliveira colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
Dos 65 anos quase completos de Celito Lorenzi, 43 deles foram vividos em sala de aula, dedicados a uma das atividades consideradas mais nobres: a de ensinar. Com a vivência de quem cresceu em uma pequena propriedade familiar, o professor do Ensino Agrícola é diretor da Escola Estadual de Educação Profissional de Carazinho (EEPROCAR), no Norte do Estado, e tem a missão de transmitir para outros jovens o conhecimento e o amor pelo campo. São mais de 300 alunos sob o seu comando na escola e um grande desafio de fazer com que a roda continue girando.
– Não é só a sucessão no campo que preocupa. A formação de novos professores também é uma carência – diz.
A seguir, conheça a trajetória do professor e o seu trabalho no Ensino Agrícola:
Como iniciou sua trajetória na escola?
Estou na escola há 43 anos e talvez seja um dos professores mais antigos do Ensino Agrícola estadual. Primeiro, vim fazer estágio. Na sequência, ganhei contrato e logo em seguida fiz concurso. Estudei Ciências Agrárias na Universidade de Passo Fundo (UPF). Comecei em 1979, quando a nossa escola era CRES, Centro Rural de Ensino Supletivo. Ela aplicava aquela pedagogia da alternância, então os alunos ficavam três meses aqui e três meses em casa. Na década de 2000, a escola mudou. Como o ensino supletivo virou EJA, a escola então mudou de nome e virou EEPROCAR.
Qual a origem da sua relação com o campo?
Sou filho de pequenos agricultores, do interior de Ronda Alta. O curso Médio que fiz não era exatamente um técnico em agropecuária, era uma modalidade de ensino que tinha um auxiliar agrícola na área. Então fiz o meu Ensino Médio e fui fazer um estágio na escola. Naquela época, a única coisa que se falava era estudar e sair do campo. Nesse período da década de 1970 e 1980 ninguém se preocupava muito com o êxodo, se falava muito pouco sobre isso.
Quando foi que a chave virou e isso passou a ser preocupação?
A escola agrícola é muito antiga no Rio Grande do Sul, é algo que tem história. A nossa já tem 46 anos de caminhada, por exemplo. O Ensino Agrícola sempre foi bastante valorizado em relação à procura. Talvez o pessoal não tivesse tanta informação num período mais longevo, e agora as pessoas têm mais facilidade de saber como vir para a escola. Tanto é que as escolas agrícolas do Rio Grande do Sul têm uma demanda crescente. O número de alunos no Estado vem diminuindo a cada ano, porque os jovens em população diminuem, mas a busca por escola agrícola, nas 27 estaduais, vem aumentando e sempre tem excedente.
Temos que humanizar o campo.
CELITO LORENZI
Professor do Ensino Agrícola
O que leva a essa procura?
Existe uma série de possibilidades quando se entra numa escola agrícola. Você forma técnicos em agropecuária que já podem buscar empregabilidade, voltar para a propriedade e empreender, ou, ainda, dar sequência nos estudos. Acredito que o curso abre um leque de possibilidades muito maior que um Ensino Médio tradicional. Hoje, as escolas se concentram mais na parte Norte do Rio Grande do Sul. Talvez a região Sul devesse ser melhor servida, embora tenha boas escolas. Mesmo assim, há uma necessidade de um olhar para ampliar essa oferta.
O que o senhor percebe nos alunos que estão no Ensino Agrícola?
Percebo um aumento de interesse no retorno para as propriedades. Embora ainda não seja tudo aquilo que se sonha, há um aumento gradativo nessa possibilidade. Outra coisa interessante: você sabe que o Ensino Agrícola era extremamente machista, porque só havia homens nas salas de aula. E, nos últimos anos, pelo menos na minha escola, deve ter mais de 30% de mulheres. Abrimos um internato feminino, que era algo que dificultava muito sem a possibilidade de as mulheres estudarem e ficarem na escola, e a procura a cada ano aumenta. Sem falar que um número bem significativo de mulheres também está empreendendo e retornando para as propriedades. É um movimento extremamente importante. Temos que humanizar o campo.
Como funciona a dinâmica do ensino? Os alunos moram na escola?
Hoje, temos em torno de 200 alunos internos e outros 80 e poucos que são semi-internos, ou seja, que moram perto da escola. Os alunos acabam morando a semana toda conosco. Fazem cinco refeições por dia, dormem aqui, e nos fins de semana retornam para casa. Fica apenas um grupo reduzido para atender às necessidades da escola, porque temos laboratórios vivos, animais, lavouras, plantas que necessitam de cuidado. Essa convivência dos alunos é um “plus” na formação deles. Aprendem a trocar ideias, acabam interagindo mais, tomando um mate nos intervalos... E como em uma escola agrícola não há alunos de um só município, você tem diversas realidades. Temos aqui alunos da região fumageira, da região produtora de soja, de produtores de leite, de frutas... são as mais diversas atividades reunidas. É um jeito também de mostrarmos a eles que é possível empreender em dois ou três hectares. Não é só o grande produtor que pode empreender.
No dia a dia da escola, a teoria é aliada à prática?
Sim. Um dos diferenciais da escola agrícola é essa questão. O aluno tem a teoria, as disciplinas tradicionais como português e matemática, e tem também as aulas técnicas em que vai à campo. Temos uma modalidade que, durante um mês, a turma faz atividades nas diversas unidades educativas de produção, como gado de leite, produção de ovinos, bovinos, jardinagem... são 14 setores diferentes onde o aluno transita. E são dois cursos na escola: o Médio Integrado, onde o aluno faz o médio junto com o técnico em agropecuária, e temos o Subsequente, para alunos que já têm o Ensino Médio completo e vêm fazer apenas as disciplinas técnicas. Fomos a primeira escola com o Subsequente, é o curso mais antigo entre as agrícolas aqui do RS.
Ensinar é uma atividade nobre. Para o senhor, o que é mais bonito nesse ofício?
O mais importante de tudo é a identificação com a nossa terra, com o campo. É uma relação diferente. Eu, como vim do campo e a maioria dos meus alunos também vêm, temos uma afinidade maior, eu acredito. O mais bonito de tudo isso é produzir alimentos e ter a preocupação com a natureza. Entender como ela funciona e como devemos trabalhar nela. A preservação é extremamente importante e procuramos passar aos nossos alunos a preocupação ambiental.
Como é ter vindo de uma família de agricultores e hoje ser alguém que leva conhecimento de campo para outros jovens?
É uma realização pessoal. Quando comecei, nunca imaginei ser professor. Entrei por uma opção que apareceu em determinado momento e jamais imaginei ficar tanto tempo. Mas me identifiquei. A escola agrícola é apaixonante. Outra preocupação que temos, também porque faço parte da Agptea (Associação Gaúcha de Professores Técnicos de Ensino Agrícola) é a sucessão nas escolas. Temos muitos contratos, pouquíssimos professores nomeados e a maioria já com bastante tempo de serviço, próxima de se aposentar. É uma outra grande dificuldade que temos. Não é só a sucessão no campo que preocupa.
Alguma história marcou mais nesses anos de sala de aula?
Dá um livro! E até pretendo alguma coisa nesse sentido assim que me aposentar. Dentro da escola tivemos momentos muito bons, outros nem tanto. Mas o que traz mais alegria é o retorno dos nossos ex-alunos nos contando suas experiências, por onde andam, alguns no Brasil e outros fora. É uma satisfação pessoal muito grande.