Cinco décadas separam a participação de Gedeão Pereira naquele que foi o primeiro evento no Parque Assis Brasil, em Esteio, da 44ª Expointer, que começa neste final de semana. Na passagem do tempo, o estudante virou veterinário, assumiu a propriedade do pai, a Estância Santa Maria, em Bagé (sua cidade natal), e chegou ao comando de uma das principais entidades do agronegócio, a Federação da Agricultura do Estado (Farsul).
O ponto de conexão entre as duas exposições é o desafio. Em 1970, o obstáculo a ser vencido era a mudança da Exposição de Animais do Menino Deus, na Capital, para uma área nova, distante e sem a estrutura atual. Em 2021, a dificuldade é colocar a feira de pé em um cenário de pandemia, que impõe restrições a um dos grandes patrimônios: o público. Nesse intervalo, transformou-se também a atividade produtiva, gaúcha e brasileira. O Brasil que deixou de ser importador e virou fornecedor global se refletiu e foi refletido em Esteio. Em conversa com GZH, Gedeão, 72 anos, avalia as mudanças do setor dentro e fora do parque.
Qual a primeira Expointer que tem guardada na memória?
Assisti a algumas exposições, duas ou três, quando ainda eram realizadas no Menino Deus, em Porto Alegre. Mas me recordo da primeira lá no local da Expointer. Porque não tinha esse nome. Eram apenas alguns galpões de madeira de eucalipto e zinco em cima. E chovia muito, para variar, e os animais se misturavam com caminhões sendo carregados com cascalho para as pessoas poderem se deslocar. Era estudante de Medicina Veterinária, e a gente acompanhava as exposições. Aquelas imagens tenho gravadas até os dias de hoje. Aquele ambiente era desastroso. Imagina, caminhão de cascalho, chuva e os animais podendo transitar para serem julgados. Também naquela época, a exposição de máquinas praticamente não existia. Veio depois e foi crescendo, até o formato que é hoje. As críticas ao então secretário da Agricultura, Luciano Machado, foram muitas. Mas passou o tempo, e ele foi homenageado, antes do seu falecimento, pela Farsul, pelo ato de coragem que teve de levar a exposição lá para aquela região, que se consagrou hoje como sendo a nossa Expointer.
Era um ambiente dividido entre os que apostaram na ideia e os que não queriam a mudança para Esteio?
Me recordo muito das críticas no primeiro ano. Mas, a partir de então, e com a chegada da Expointer, que passou a ser uma exposição internacional de animais, foi se consolidando no imaginário do produtor, porque foi uma coisa que realmente agradou ao setor. Surgiram os galpões, as pistas de julgamento, foi se tornando motivo de orgulho para o povo gaúcho.
Quais foram os principais ganhos trazidos com a transição para o novo espaço?
Nos primórdios da exposição em Esteio, não se tinha uma ligação muito forte entre o progresso tecnológico, a genética que se via na Expointer e a realidade do nosso campo. A sensação que eu tinha, como guri que era na época, formado nos anos 1970, era a de que tínhamos um campo bem mais atrasado do que aquele que espelhávamos na feira. Levava-se para lá Uma genética espetacular, do mundo inteiro e com seus diversos modismos. Teve a época das britânicas (raças de gado de corte), depois a das continentais, que apareceram e dominaram com o gado charolês, e depois novamente com as britânicas. Naquela época, no meu entendimento, havia um divórcio entre aquilo que tu via nas pistas de Esteio e a realidade do campo. A tecnologia do campo estava atrasada. Aí entra em um somatório, começa a aparecer a máquina agrícola mais ostensivamente.
A Expointer mostra às pessoas que a comida não nasce na gôndola do supermercado. Alguém tem de estar lá no campo produzindo para que tenhamos oferta constante
GEDEÃO PEREIRA
Presidente da Farsul
Creio que a Expointer colaborou muito com essa transformação tecnológica no campo. Começou a agricultura do Brasil grande, porque nos anos 1970 o país era importador de alimentos, e a agricultura no Rio Grande do Sul não era o que é hoje. Era infinitamente menor. Tanto é que lá em 1970, 1971, e eu estou relacionando isso com a Expointer, subi os campos de Júlio de Castilhos e Cruz Alta para aprender a fazer diagnóstico de gestação em vaca charolesa. Ou seja, aquela região só tinha pecuária. Hoje, tu vai lá e praticamente não existe mais pecuária. É soja, milho e trigo. Ou seja, houve um avanço na agricultura e, quando isso aconteceu, coincide com a presença das máquinas em Esteio, com o aumento da agricultura no Rio Grande do Sul, e do melhoramento tecnológico da pecuária, que usufruiu muito disso daí. A pecuária sempre teve genética no Estado, mas não tinha alimentação. Era muito baseada naquilo que se convencionou chamar de campo nativo, que não dá a sustentação tecnológica atual.
Hoje, tu tens uma qualidade de carne, ofertada no Rio Grande do Sul, na gôndola do supermercado, similar à qualquer das melhores carnes do mundo. Sempre colocamos a carne argentina no top. E se come em Porto Alegre a mesma qualidade de carne que tu podes comer em Buenos Aires. Pelo avanço tecnológico, pela redução da idade de abate, aumento da eficiência reprodutiva das fêmeas. E isso tudo é um conjunto desse processo em que a Expointer, na minha opinião, veio refletindo ao longo desses últimos anos.
Por que, apesar de vários projetos, a ideia de dar uso ao parque o ano inteiro nunca conseguiu se concretizar?
É um enigma, porque é um parque maravilhoso, muito bem localizado, bem servido de rodovias. Em maio, se tenta organizar a Fenasul, mas não se consolida. É uma ociosidade espetacular, serve para 10 dias do ano. Mas se olharmos o que envolve nesses 10 dias do ano, se vermos que a Expointer vem faturando alguns bilhões, justifica, né? Pelo movimento econômico, financeiro que faz. Porque temos dois grandes eventos no Rio Grande do Sul: a Expointer e a Expodireto, ambas com faturamento espetacular. Em cima das máquinas agrícolas, porque o faturamento da pecuária praticamente inexiste. Fatura R$ 10 milhões, R$ 12 milhões, R$ 13 milhões, e o outro (setor das máquinas) fatura R$ 2 bi, R$ 3 bi.
Considerando o peso das máquinas nos negócios, o que é possível projetar m faturamento para esta edição, que não contará com todas as grandes fabricantes?
Já encontrei na Expointer gente que veio de Roraima para comprar máquinas. É verdade, gaúchos em Roraima, mas vêm para comprar máquina aqui. Realmente, é uma feira que extrapolou os limites do Estado. Quanto a Expointer pode faturar neste ano é a pergunta que também me faço. R$ 500 milhões? R$ 1 bilhão? Não deverá ser muito diferente, porque empresas como Massey Ferguson e New Holland não estarão. Mas o Claudio Bier (presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas do RS) fez um grande trabalho, virão 85 empresas (das grandes, John Deere confirmou presença). O sistema financeiro estará presente. Banco do Brasil, Sicredi, Bradesco, Banrisul, BRDE, Badesul. Acho que o principal motivo pelo qual empresas não vêm é porque não têm o que entregar. O que acontece também com a indústria automobilística nesse mundo pós-covid.
A exposição nasceu rural, mas cresceu, foi para Esteio e lá ganhou um caráter único, da conexão com o público urbano.
A Expointer é feita de animais, máquinas agrícolas, cavalo crioulo, o Freio de Ouro, que é público de Gre-Nal, agricultura familiar e, fundamentalmente, 400 mil a 500 mil pessoas que passam na semana, fora os pequenos vendedores ambulantes, que ficam fora do parque e vão lá para faturar também. A presença de público é fundamental. Expointer sem público não daria nem para conceber. É uma belíssima oportunidade que nós, homens do campo, temos de conviver com a massa da população, que vai lá para ter uma ideia do que é o campo. Ou seja, é a oportunidade que as pessoas têm de se questionarem que a comida não nasce na gôndola do supermercado. Alguém tem de estar lá no campo produzindo para que tenhamos oferta constante. E o setor fez um sucesso muito grande na pandemia, porque nunca houve uma gôndola desabastecida nesse período em qualquer lugar do Brasil. E ainda tocamos produtos para mais de 170 países mundo afora. Ou seja, o agronegócio hoje é um sucesso e uma conquista, também, do povo gaúcho e do brasileiro.
Como avalia a imagem do setor no mercado externo e a demanda cada vez maior por garantias de que a produção é sustentável? Como fazer os bons exemplos chegarem mais do que os problemas?
É uma questão difícil e controversa. Na minha opinião, existem algumas coincidências nefastas que levaram essa imagem negativa para o Exterior do agronegócio brasileiro. Uma delas, uma mudança de postura ideológica do governo brasileiro. Antes, havia muita guarida às ONGs, que tinham um assento e um financiamento muito forte no governo brasileiro, através do Ministério do Meio Ambiente. São as informações que nos chegam. Essas próprias ONGs começaram a difamar a imagem lá fora. Outra coincidência é que isso recrudesceu com o acordo da União Europeia com o Mercosul. Como tem a salvaguarda das questões ambientais, e a agricultura europeia não compete com a brasileira, a do Mercosul, o presidente Macron (Emmanuel Macron, presidente da França) disse que estávamos queimando o planeta por alguns incêndios na Amazônia. Que não é diferente dos incêndios na Bolívia, nos EUA, não me recordo se não teve na Europa, em que morreu gente. Por uma questão de seca, clima, enfim. Desafortunadamente, para nós, tentaram vender uma imagem negativa da agricultura brasileira, o que não é realidade. É bem diferente. Temos de separar um pouco a Amazônia da realidade brasileira. E não é a Amazônia legal, que é maior do que o próprio bioma.
Na Farsul, gastamos quase metade da nossa energia na solução dos problemas ambientais. Que produtor pode abrir mão de 20% da propriedade (para reserva legal) a título de nada?
GEDEÃO PEREIRA
Presidente da Farsul
Via de regra, o desrespeito de que se tem notícia, porque não vivemos lá, está muito pelo problema de não ter um CPF que seja responsável por dita gleba que possa estar sendo incendiada. E as devastações da floresta parecem que são realmente ilegais, e madeira da floresta é tirada ilegalmente com fins de mercado. Por que esse viés político demagógico não afetou o nosso mercado? Porque incêndios há em outros lugares do mundo e ninguém dá o peso que dá aos incêndios da Amazônia. Acho que a Amazônia tenha de ser cuidada, preservada, sim. Ainda que exista tecnologia no mundo inteiro para um crescimento vertical (da produção) para consumo da humanidade que se prevê chegará a 9 bilhões de pessoas em 2050, depois de amanhã. Mas estamos atravessando uma experiência absolutamente nova que se chama "poder econômico da Ásia", basicamente da China. Um país com 1,4 bilhão de pessoas que disse que estaria colocando 110 mil pessoas na classe média por dia. Então, aparentemente, não há o que chegue. Tanto é que as commodities, nesse processo, tiveram uma valorização impensável por nós há um ano e meio.
Estratégias comerciais e políticas à parte, não é mais fácil mostrar os bons exemplos do que investir energia nessa disputa?
Em todas as oportunidades lá fora, e acompanhei algumas, na China, no Japão, na Índia, a ministra da Agricultura tem colocado o que é a agricultura brasileira, as qualidades em termos de preservacionismo e de cuidados com o ambiente. Temos um código florestal que talvez seja o mais restritivo. E se pegarmos os números em todos os fóruns internacionais, 60% do território nacional é floresta amazônica. Como cuidar de toda a Amazônia em um país de tamanho continental? Acho que nem todo o Exército consegue, não é tarefa fácil. Usamos 40% do nosso território, e, assim mesmo, cheio de restrições ambientais. Se colocarmos em emissões do CO2, muito menos do que Europa, EUA, China e até o próprio Japão. Bom, temos 60% do território preservado, cuidamos das matas ciliares, das nossas águas — vou botar entre parênteses o setor urbano. Ninguém olha a sua parte.
Voltando à questão da imagem. A ministra Tereza Cristina tem um papel importante, mas que por vezes se dissolve em declarações polêmicas do governo. Quando se critica uma cobrança, porque pode estar contaminada por interesses, parece que se está tentando desqualificá-la. Será que a postura não tem de ser do tipo: "Pode cobrar, o setor está fazendo o tema de casa"?
Nós, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, CNA, temos um programa, o Agro Mais, que é justamente para tentar desmitificar todos esses processos. Sabemos o que 98% — tem de deixar uma parcela para os irresponsáveis, não existe nada perfeito — dos produtores rurais fazem e a qualidade do que estão fazendo. Temos uma preocupação de levar a seguinte imagem ao produtor: nós dependemos visceralmente do mercado internacional, porque produzimos uma montanha de grãos e carnes. O que é o item número 1? Qualidade. O Brasil tem qualidade crescente de produto: física, química, em todos os processos que levam aquele grão final ou aquela carne ao porto, dentro das normas e regulamentações internacionais. E uma preocupação crescente de levar essa mensagem porque olha bem o que aconteceu com a Carne Fraca (Operação Carne Fraca, em 2017). Quanto nos custou? É um exemplo bem recente. O Blairo Maggi era ministro da Agricultura quando teve de desfazer todo aquele imbróglio.
Essa é uma imagem, entre nós produtores, de que temos de seguir produzindo cada vez com mais qualidade. As normas são mais restritivas e segurança alimentar é fundamental. Temos de ter muito cuidado, utilizar os químicos com as normas de bula, ter qualidade no armazenamento, no transporte. Estar preocupados com as normas e trazer um produto de qualidade, porque quando fazemos isso, estamos cumprindo com o consumidor interno e externo. E não é sobrepor um ao outro. Estamos habilitados a estar sempre em qualquer mercado. A qualidade que se encontra nos mercados daqui se encontra em Paris, Roma, Moscou, em Xangai ou Pequim.
Depois de uma colheita recorde na produção de soja, o que é possível projetar para a próxima safra de verão do RS?
Dentro de uma normalidade, podemos até superar a safra anterior. Porque apesar do aumento de custos, subiu fertilizantes, trator, químico, tudo, o produtor está muito estimulado também pelos preços que está vendendo. O arroz há um ano, um ano e meio era R$ 38, R$ 40, hoje está na volta dos R$ 80, R$ 82. A soja que era R$ 90 veio para R$ 165, R$ 170, chegou a R$ 185. O boi também subiu, talvez não na mesma proporção, mas de R$ 8, R$ 9 para R$ 12. O milho na casa dos R$ 100. Então, o principal estímulo do produtor é preço. Mas temos uma grande preocupação. Há dois pilares da nossa economia, que são muito importantes, suinocultura e avicultura, que bateram no teto, por falta de milho. E nos últimos 10 anos tanto Santa Catarina quanto Rio Grande do Sul pararam de crescer. O Paraná continuou crescendo porque a logística permite que traga do Paraguai e do Mato Grosso e tem milho safrinha. No Estado, não temos essa possibilidade por questões climáticas. Estamos antevendo a vontade de grandes empresas fazerem investimentos no RS, para seguirem aumentando tanto a avicultura quanto a suinocultura, porque estão sendo demandados pelos mercados asiáticos. E, nos Estados do Sul, há uma condição que não tem em Goiás, Mato Grosso, que é o material humano. Mas falta milho.
Nos aliamos à Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e à Embrapa e estamos trabalhando com o projeto Duas Safras. Queremos levar ao produtor a ideia de grãos alternativos no inverno. O Rio Grande do Sul pode fazer duas safras. Porque faz uma grande safra de 6 milhões de hectares no verão e depois faz 1 milhão 1,2 milhão de hectares de trigo (no inverno), o resto é cobertura vegetal. Estamos levando a ideia de centeio, triticale, trigo ração para que as pessoas se entusiasmem mais a investirem em culturas de inverno. Estamos juntando a ABPA, que trata com a indústria, a Embrapa, que trata da tecnologia, e a Farsul que tem a permeabilidade em todo o Rio Grande do Sul. Alicerçado em tecnologia e mercado. Uma vez implementado, pode mexer com 7% do PIB do Rio Grande. Estamos coletando as diversidades regionais para, na hora de implantarmos o programa, sairmos direcionados, com pacotes tecnológicos de acordo com as necessidades.
A pecuária de corte, que tem no Estado uma referência, passou por uma valorização recente. Qual o cenário de preços daqui pra frente, para produtor e consumidor?
A pecuária e o arroz estiveram muito tempo desestimulados. Outra preocupação que estamos tendo com a Metade Sul, celeiro pecuário, é que a soja, na sua nova fronteira agrícola, está apertando a pecuária. O programa Duas Safras visa tratar dessa situação: como, na hora de ceder o espaço para a soja, não nos desfazermos dos animais. Mantermos a pecuária, não vou dizer no tamanho que é hoje, mas possivelmente com mais eficiência. Porque é importante no contexto econômico do Estado e das propriedades médias e grandes a permanência da pecuária junto a esse processo agrícola. Segue o arroz, aumenta a soja e temos de manter a pecuária. Porque estamos vendo que, ainda com os bons preços hoje praticados, não se consegue competir com o preço da soja. Em setembro, outubro essas áreas precisam ser esvaziadas para a soja. E aí vai para o gancho (abate). Mas o que não vai, o que posso fazer? Onde coloco esses animais? O grande desafio são tecnologias a pasto, para que se possa ter pastos que consigam ter alta carga por hectare.
Essa será a primeira Expointer com o Estado livre de aftosa sem vacinação. O que isso traz de desafio? E como lidar com a ameaça da peste suína africana?
A questão da aftosa hoje preocupa menos do que a peste suína africana, que já chegou à América. É algo que nos deixa de cabelo em pé. Andou na Europa, na China e chegou na República Dominicana. Sobre a aftosa, tiramos a vacina e, em um curto prazo, não tem diferença para a pecuária de corte, mas é decisiva principalmente à suinocultora. Poderíamos chegar com carne com ossos à China, que é um grande mercado. A ministra Tereza Cristina já estaria trabalhando no mercado do Japão para a carne bovina. É um progresso que vai se desenrolar ao longo do tempo, porque essas questões não acontecem da noite para o dia. As posições internacionais são algo que se conquista. Tenho quantidade, qualidade de produto, constância em fornecimento, qualidade sanitária. E vai galgando posições.
Qual o principal desafio do setor atualmente? O fato do setor ser alinhado ao atual governo ajuda no andamento de reivindicações?
As grandes questões do agro hoje no Rio Grande do Sul são as ambientais. Na federação, gastamos quase metade da nossa energia na solução dos problemas ambientais. Não estamos conseguindo desenvolver a irrigação, porque precisamos fazer a preservação de água. Não existe irrigação sem água. E água nós captamos da chuva. No RS chove, normalmente, 1,7 mil mm, 1,8 mil mm por ano. No entanto, não se consegue transformar essa água em um bem econômico, em razão de questões ambientais, discussões jurídicas inócuas, ineficientes, que levam ao atraso. Na Metade Norte, tranca porque tem de ter intervenção em Área de Preservação Permanente (APP).
Nossa proposta é fazer um barramento na APP e multiplicá-la por duas, uma em cada volta do açude, mantém o corredor ecológico. Na Metade Sul, a discussão é outra. Para fazer um reservatório, é necessário um licenciamento ambiental e, para isso, 20% de reserva legal, em razão de liminar. Vinte por cento de reserva legal em um Estado como o nosso, que está antropizado (teve alterações a partir da ação do homem) há 300 anos, o ambiente que está aí não é o original. É diferente de outras regiões do país, onde a agricultura chegou depois. Que produtor pode abrir mão de 20% da propriedade a título de nada? Se tivesse ainda pagamento por questões ambientais... E o Código Florestal previu isso. É uma questão de interpretação jurídica.
Na sua propriedade, em Bagé, a sucessão rural já ocorreu. O que faz esse processo dar certo?
Eu fui feito sucessor pelo meu pai. Sabe quando descobri que era eu que mandava? Quando peguei o talão de cheque. Sabe quando descobri que deixei de mandar? Quando entreguei o talão de cheque. E é exatamente isso. Manda quem está com um talão de cheques na mão. Continuo hoje mais como consultor do que qualquer outra coisa. Mas administro diretamente muita coisa, principalmente na pecuária. Mas a parte comercial é toda com meu filho. E como é importante a sucessão, o sangue novo nos negócios. A própria idade, a vida chega a um ponto em que te trava. E o campo é muito dinâmico, tem de estar muito em cima, te exige fisicamente, inclusive. Chega em um ponto que precisa de ideias novas, novas expectativas. E isso só com a mudança das pessoas. Observei isso quando meu pai me entregou e meu filho quando assumiu.