Economista que elaborou o programa econômico da ex-candidata à Presidência Simone Tebet (MDB), Elena Landau faz fortes crítica ao furo no teto de gastos de forma permanente. Isso está previsto na minuta da PEC da Transição apresentada pela equipe de Lula ao Congresso à noite passada. Confira trechos da entrevista da economista ao Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, e o áudio na íntegra no final da coluna:
Discorda da retirada do Bolsa Família do teto de gastos?
Esse assunto começou mal. Parece que quem critica o que o presidente Lula está propondo não ligar para o social. Está na hora de parar com essa polarização, do bem contra o mal, do nós e eles, e entender que estamos juntos para o melhor do Brasil, inclusive economistas que apoiaram Lula no segundo turno. É inegável que temos que resgatar o social, insegurança alimentar, atrasos da pandemia, recomposição de aprendizagem, Bolsa Família, etc. Mas daí não se conclui que você pode fazer qualquer coisa, com qualquer forma de financiamento. O governo Bolsonaro deixou de herança um orçamento irreal. Não só com o rombo de R$ 60 bilhões, mas com prioridades completamente invertidas. Quase nada de dinheiro para o social. Agora, transição é transição, e essa virou uma PEC da Permanência. O teto não existe mais. Isso é muito preocupante. É uma decisão puramente política, não é de economia ou técnica.
Os dois candidatos prometiam os R$ 600 do Bolsa Família. Qual a solução?
O problema não são os R$ 200 (que se somam aos R$ 400 já previstos para 2023). Eles custam R$ 52 bilhões. A PEC da Transição é mais do que isso, mantém um Auxílio Brasil como o Bolsonaro desenhou e que é ruim, estímulo a famílias unipessoais. O presidente Lula prometeu, então, R$ 150 acima dos R$ 600. Nós, no programa da Simone, tínhamos os mesmos R$ 600, mas com uma recuperação do programa social de fato, olhando crianças, uma poupança de Ensino Médio.
O programa de Simone Tebet também previa estouro do teto?
Sim, mas não era permanente. Dizíamos "vamos olhar o orçamento, quem sabe sai boa parte desses recursos". A diferença entre os R$ 600 e os R$ 400 daria R$ 52 bilhões. Estamos falando agora de R$ 200 bilhões de forma permanente, é 2% do PIB. Se você promete aumentar o salário mínimo em termos reais, não tem que tirar esse gasto do teto. Se quer aumentar a faixa de isenção de Imposto de Renda, tem que ser na reforma tributária.
E a crítica de Lula ao mercado financeiro?
O mercado financeiro não fala por si mesmo. Ele toma conta da poupança de milhões de brasileiros e cobra o juro para comprar títulos para o Tesouro financiar gastos do governo de acordo com o risco que percebe. Então, quando Lula faz um discurso assim ou o Bolsonaro fazia PEC de Precatórios, deteriora questões fiscais do Brasil e o mercado diz "olha,eu vou precisar cobrar mais porque esse governo está entrando em risco". É uma bobagem achar que você pode tributar juro. O Tesouro não se financiaria mais. É um discurso que aparentemente quer fazer o bem, mas vai fazer o mal. Já vimos isso no governo Dilma. Quando você não controla gastos, dá uma inflação recorde e desemprego. Não funciona.
Qual o risco de afastar o mercado?
O mercado hoje é o grande financiador do Estado brasileiro. Quando ele vai se endividar, entrega títulos do Tesouro para o tal do mercado, que emprestar dinheiro. Cada pessoa que coloca o dinheiro em algum lugar, compra um título de um banco, está preservando o seu patrimônio, corrigindo pela inflação, buscando o investimento. Então esse "Deus Mercado" não existe. É o lugar onde há interesses de todos nós cidadãos brasileiros que tenham algum investimento. Não existe "ah, o mercado não gostou, o problema é do mercado". O mercado reage ao risco em qualquer lugar do mundo. Se você acha que a pessoa para quem você está emprestando aumentou o risco de pagar de volta, cobra mais juro. É assim desde o poupador de baixa renda até o maior. Quando Guedes (Paulo, ministro da Economia) falou na PEC dos Precatórios: "devo, não nego, pago quando puder", o risco aumenta, o juro sobe imediatamente. Quando o Lula fala "não estou preocupado com o limite de gasto", o mercado vê que não tem receita e diz "ó, ele vai ter que se endividar mais". O dólar sobe. É bobagem confrontar o mercado, que está refletindo um medo de insolvência do Estado brasileiro, de irresponsabilidade. Não é com bravatas que vamos resolver.
E o combate à fome?
O discurso de Lula foi importante. Viemos de quatro anos com um presidente (Bolsonaro) sem nenhuma empatia com o sofrimento da população. O que não dá é dizer "olha, por causa disso, o céu é o limite, dane-se o mercado". O mercado somos todos nós. O dólar sobe pela instabilidade. Os investidores estrangeiros pensam que o Brasil não é um lugar para se investir. Quando tira o dinheiro do Brasil, o real se desvaloriza. Quem sofre com juro e dólar alto? A população mais pobre, que não tem como se defender. O mais rico vai lá e compra dólar. A população mais pobre vai receber inflação e, com juros elevados, vai receber desemprego.
Colaborou Vitor Netto e Jaques Machado
Ouça a entrevista na íntegra:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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