O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem pedido com frequência para que empresas comprem testes da covid-19 e apliquem em seus funcionários. Cita, como exemplo, a Ambev, gigante do setor de bebidas que que comprou 1 milhão de exames. A empresa testará seus funcionários e familiares, cedendo o restante para a rede pública.
Sobre a eficácia e até aplicabilidade dessa medida, o programa Acerto de Contas (domingos, às 6h, na Rádio Gaúcha) conversou com Fernando Spilki, professor da Feevale e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV). Confira a conversa:
Essa medida de empresas comprarem testes de covid-19 é válida na sua opinião?
Sim, isso é válida. Tanto a Sociedade Brasileira de Virologia (SBV) quanto outras entidades científicas têm apoiado a ideia de que um retorno seguro ao mundo do trabalho requer o teste nos trabalhadores e também em suas famílias. Isso já vem sendo realizado em outros países. Dessa forma, é possível formar conjuntos de trabalhadores onde a gente enxergue, por exemplo, que as pessoas estão todas livres, e conjuntos de trabalhadores onde a gente veja que os indivíduos já foram infectados, mas já tenham anticorpos, por exemplo. Aumentaria muito a segurança para formação de ambientes de trabalho onde não haja transmissão aumentada do vírus. A coisa mais importante é ter certeza de que o indivíduo não está mais excretando o vírus e que ele já tenha desenvolvido resposta imune. Nós ainda não temos certeza absoluta se uma primeira infecção por esse vírus confere uma imunidade de longa duração, ou protetora contra novas infecções. Mas já existem evidências em humanos e saiu um estudo interessante em macacos demonstrando que os animais ficaram protegidos por um período de pelo menos um mês após a primeira infecção. Claro que o estudo foi feito nesse período, então pode ser que a proteção seja mais longa. Mas isso já um indicativo de que, talvez, como normalmente se espera, indivíduos que tenham tido a infecção possam desenvolver a imunidade.
E qual a relação dessa medida que as empresas tomariam com o que se fala de "liberação de clusters", citada inclusive como opção pelo CEO do Hospital Sírio-Libanês, Paulo Chapchap?
Aí, tem que entrar maior inteligência na gestão da situação. Eu tenho visto muitas entrevistas, inclusive alguns profissionais falando que seria muito fácil porque a gente analisaria as pessoas que já tenham tido infecção, e que tem anticorpos, que não eliminam mais o vírus, e por isso podem voltar o trabalho, contando que essa imunidade seja de fato protetora. Mas acontece que nem todos vão se infectar. Até por causa do distanciamento social, muitos de nós não estarão infectados. Essas pessoas também vão precisar de atenção para o retorno do trabalho e não só quem foi infectado ou está imune. As pessoas que não se infectaram, e que possam compor uma equipe inteira de trabalho, também vão precisar de atenção. E redobrada. Esses indivíduos provavelmente vão necessitar de algum tipo de proteção, como máscaras para irem de casa ao trabalho, onde também terão que estar mais protegidos. Preferencialmente, sem contato com o público. Deverão trabalhar em conjuntos, em clusters pequenos, com pessoas que tenham comprovadamente não circulação do vírus. Teremos duas populações distintas: os já infectados e recuperados, com imunidade sólida não excretando vírus, e esses indivíduos que não vão ter pego a doença, que não terão imunidade e ainda estarão suscetíveis. Mas é possível lidar com essa situação, garantindo a biossegurança.
O ministro citou a Ambev. Mas comprar esses testes é factível para empresas menores, locais? Há testes para serem comprados? Como são? Como as empresas que estão nos lendo devem proceder?
Seja para os testes moleculares, onde os reagentes são necessários para detectar o vírus nas secreções respiratórias das pessoas, ou testes rápidos, para detecção de anticorpos, realmente há uma dificuldade de conseguir o material. Uma das coisas importantes é que quanto mais se compra, melhor para conseguir, porque são lotes maiores. Então, normalmente, as empresas acabam colocando esses lotes em prioridade e o preço individual do teste baixa muito. Um teste molecular pode cair da faixa de R$ 370 em custo só em reagentes para R$ 50 quando feito em grandes lotes. Meu conselho é que, na medida do possível, as associações comerciais e de indústria comprem em lotes maiores, contratando laboratórios em volumes maiores de escala, para que o custo seja minorado. Quando a gente fala de empresas do tamanho de uma Ambev, que está comprando 1 milhão de testes, a unidade são relativamente barata. Por meio de associações, sai barato e entra nos pedidos maiores das empresas que comercializam e importam os reagentes. Individualmente, o pequeno terá dificuldades.
Então, entidades setoriais de empresas poderiam organizar isso. Quais os primeiros passos que elas precisam dar, considerando que é um mundo completamente novo para essas entidades?
Sugiro logo o contato com laboratórios. Principalmente, aqueles que estão preparados para a área de biologia molecular e que tenham a biossegurança necessária para manipular amostras clínicas. A partir daí, ver os orçamentos e a lista de reagentes possíveis para fazer isso, porque não é uma compra tão fácil de fazer. Há detalhes no tipo de reagente e equipamentos usados. Alguns laboratórios talvez precisem de investimentos e as entidades podem fazer a parceria, sejam eles privados ou de universidades.
Saiba mais na entrevista ao programa Acerto de Contas. Domingos, às 6h, na Rádio Gaúcha. Ouça aqui:
Colunista Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
Siga Giane Guerra no Facebook
Leia aqui outras notícias da colunista