A euforia pela Copa do Mundo lá longe, com suas alegrias de ontem e tristezas de hoje, nos desvia do que ocorre aqui a um palmo do nariz. Somos patriotas só na Copa. O demais passou a ser "o resto", que só vemos se sobrar tempo.
A expectativa de triunfo nos fez esquecer os horrores do dia a dia. Não nos afetou sequer o escândalo das próteses, aquele abjeto conluio entre diretores de três grandes empresas estrangeiras e altos funcionários da área federal da Saúde, que supera R$ 500 milhões. Começou no Rio de Janeiro de Sérgio Cabral, fez milhares de vítimas ao longo do país e chegou também ao Sul. A maldade de simular a implantação de pernas, mãos ou braços e cobrar em dólar, é nojento em si e basta!
Tampouco nos afetaram as novas fraudes milionárias descobertas pela Polícia Federal no Ministério do Trabalho, tão abertas que o ministro foi afastado pelo Supremo Tribunal. No governo Temer, o ministério virou propriedade feudal do PTB do inefável Roberto Jefferson, que manda e desmanda. Lembram-se de quando escolheu a própria filha e o STF a barrou por estar processada na Justiça do Trabalho ao dever salários ao chofer privado?
Os "registros" de sindicatos viraram escândalo ainda no governo Dilma, quando Carlos Lupi, presidente nacional do PDT, foi ministro do Trabalho. Seu substituto, Brizola Neto, lá encontrou (e denunciou) um conjunto de fraudes que beiravam R$ 500 milhões, mas acabou "renunciando" ao não poder ir adiante nem responsabilizar os culpados.
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No Brasil, governar virou caso de polícia. Mas nem o melhor ficcionista policial se atreveria a inventar o dia a dia da atual alta cúpula governamental. O escândalo dos portos é caso único no mundo e bastaria isto para deixar de lado outras alegrias. A cada dia, a Polícia Federal descobre novos ângulos da teia de subornos milionários envolvendo o círculo íntimo do presidente da República e desembocando nele próprio. Ou não é a própria Polícia Federal que aponta o coronel Lima como "testa de ferro" de Temer?
Para que queríamos de novo a Copa, se a Jules Rimet, em ouro maciço (que eu vi a seleção conquistar no México, no "Tri" de 1970), foi roubada da sede da CBF no Rio de Janeiro? Hoje, há só uma réplica em bronze (ou gesso) banhado a ouro, reles imitação a glorificar nossa especialidade, o futebol.
Já que nem o surto de sarampo amedronta quem tenha filhos pequenos, por que chorar pela Copa, se a dor maior e mais pungente é outra?