O caos gerado pela greve dos caminhoneiros vai além das dificuldades do próprio horror. Nele reaparece o ódio oportunista, em que o absurdo se fantasia de "direito" ou "normalidade".
Ódio? Sim, pois o desdém é odioso. Cada um se fecha como ostra, sem entender o outro. O "próximo" de que falam os Evangelhos desaparece. Um "ego" pervertido domina tudo.
Nossa crise moral transbordou agora. A greve é um direito de quem trabalha, não uma chicana apunhalando a todos que, além de trabalhar, têm um direito inato e maior, que é viver. Em serviço essencial, como transporte, até a reivindicação justa pode virar crime.
Explorados por grandes empresas, os sacrificados "autônomos", que dormem e cozinham na estrada, acabaram afogados no engano. Na ira, ante a inércia do governo, alguns pediam "intervenção militar", ignorando que um golpe de Estado arrasa até o direito a ter direitos.
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Essa angústia, em que o fim do mundo parecia bater à porta e entrar, é um dos legados da ditadura de 1964, que terminou com as ferrovias e o transporte fluvial. Para as grandes construtoras (tipo Odebrecht), uma rodovia com constante e onerosa reparação vale mais do que ferrovia de fácil conservação. Apoiado na$ empresa$ hoje ré$ na Lava-Jato, o lobby rodoviário agigantou-se. Atiramos no lixo o modelo das ferrovias eletrificadas da Europa, Estados Unidos e China.
Mas o caos maior é o que ficou do caos em si. Milhões de litros de leite perdidos, porcos famintos virando canibais, 70 milhões de frangos mortos por inanição e, na estrada bloqueada, "todos churrasqueavam e bebiam cerveja", observou um produtor rural de Marques de Souza. Mais do que as perdas financeiras (no Rio Grande superam R$ 1,6 bilhão e no país vão a R$ 7 bilhões só na agropecuária), o que arrepia é o ocaso moral.
A inépcia do governo Temer só é comparável à exibicionista pasmaceira de Sartori, que – em pleno horror – saiu da Capital para a procissão de Nossa Senhora de Caravaggio sem presenciar a reunião do "gabinete de crise".
Nos dois anos de Temer, o preço do diesel teve 229 reajustes. De janeiro até hoje, subiu 38% e está 56% acima da média internacional. A produção é nossa, mas o preço é o do "mercado internacional", em dólar.
O horror no horror, porém, é "a solução". Para compensar a redução no litro do diesel, a Petrobras receberá R$ 9,58 bilhões do governo federal. Para compensar a compensação, o autista Temer cortará gastos em saúde, educação, estradas. E novos impostos virão...