O horror do coronavírus é tão brutal que terminou, até, com o ato amistoso de compartilhar o chimarrão. Talvez só o erótico roçar dos corpos seja mais íntimo do que a tradicional "chimarreada de galpão", em que cuia e bomba passam de boca em boca, quase como beijo, sem repugnância nem cuidados.
Recusar-se a uma "roda de mate" equivale a não partilhar afeto e companheirismo, mas se torna necessário hoje. A quebra forçada do velho rito gaúcho não é nada, porém, comparada à escancarada insanidade dos últimos atos do presidente da República.
Primeiro, enquanto a pandemia empilhava cadáveres país afora, demitiu o ministro da Saúde, porque o correto Luiz Mandetta prevenia a população sobre o perigo, sem aceitar que "tudo é uma gripezinha inventada pela imprensa", como Bolsonaro apregoa. Logo, a demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça.
O juiz que, pela primeira vez aqui, levou à prisão grandes ladrões disfarçados de empresários e políticos, não pôde continuar no governo que prometia fazê-lo "superministro" para combater a corrupção. Em menos de 16 meses, Moro foi relegado ao lodo da sarjeta por relutar transformar a Polícia Federal em obediente servo da prole presidencial.
O próprio Moro revelou que o presidente quis mudar o diretor da Polícia Federal (lá colocando alguém de confiança pessoal) para ter acesso à marcha das investigações.
E as investigações chegam a um dos filhos do presidente…
Ao desdenhar a maioria do povo que o elegeu de boa-fé (crendo que combateria a corrupção), Bolsonaro se apoia, agora, nos arrivistas do "centrão", que fazem do Parlamento um balcão de negócios. Ou em condenados no ´mensalão`, como o chefão do PTB, Roberto Jefferson.
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A barafunda desembocou na nomeação de Alexandre Ramagem, íntimo do clã Bolsonaro, como diretor-geral da PF, confirmando os ditos de Moro. Tudo tornou-se tão claro que, horas depois, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal, mandou suspender a nomeação, nela vislumbrando clara manobra de obstrução de Justiça na investigação que envolve o filho do presidente.
Noutro cenário, o STF repetia a decisão que, anos atrás, impediu a nomeação de Lula da Silva como chefe da Casa Civil da então presidente Dilma, para lhe dar "foro especial" e protelar a investigação da Lava-Jato, onde ele acabou condenado.
Tal qual a roda do chimarrão que evitamos pela Covid-19, as evidências mostram que, em vez de construir, a cada dia Bolsonaro desmantela o governo que formou.
Será um plano autoritário (ele já se autoproclama "chefe supremo", como a TV mostrou) ou, apenas, um desvario do poder?? Seja o que for, mate-se o vírus, seja qual for, voltando ao mate amargo.