O horror do coronavírus repete, em parte, algo vivido na renúncia do presidente Jânio Quadros numa sexta-feira de 1961, quando o alto-comando militar "decidiu" que o vice-presidente João Goulart não podia assumir o poder. O governador gaúcho se mobilizou em defesa da Constituição, mas o povo só entendeu o perigo do golpe de Estado quando Leonel Brizola suspendeu o Gre-Nal de domingo.
Agora, um detalhe é similar. A suspensão das novelas da TV Globo escancarou e aprofundou o perigo da pandemia e fez todos se resignarem a perder algo para salvar-se.
Perder o entretenimento leva a perceber aquilo que o atribulado dia a dia nos impede ver. Privados do futebol ou das telenovelas, tomamos consciência de ameaças concretas que os dribles ou a atuação de Regina Casé (e demais) não nos faziam ver por nos levarem a outras maravilhas.
Suspender a gravação das atuais telenovelas e apresentar velhas reprises alertou sobre o perigo e mudou o comportamento pessoal. Além de ameaça à vida, o novo vírus não afetou só a bolsa de valores ou o trabalho. Afetou, até, o amor ou a forma de amar. Suprimiu o beijo, o abraço e a intimidade dos afagos, mesmo entre pais e filhos. Tocou nosso ego profundo.
É inexplicável, mas a consciência profunda flui nos momentos de distensão e nos dá o sentido da vida. A suspensão das habituais telenovelas fez a população avaliar com precisão aquilo que nem sequer a decretação do "estado de calamidade" tinha conseguido.
Desprezamos, porém, as causas profundas da peste medieval gerada pela falsa noção de riqueza da sociedade de consumo do século 21. Ao afetar o sistema respiratório, a ciência aponta a poluição e a contaminação do ar como geradores da peste. Tudo começa na China, com a mineração cobrindo de cinzas cidades e campos. Agora, o núcleo é Milão, na região "mais rica" e poluída da Itália.
Mais vale evitar calamidades do que tentar saná-las. Já pensaram nos bilhões de partículas suspensas que a pretendida Mina Guaíba, de carvão a céu aberto, a 12 quilômetros da Capital, lançará ao ar num futuro infeliz, caso se concretize?
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Sem ir às causas profundas do horror, seguimos inertes, atentos apenas a saber se é mais eficaz lavar as mãos com água e sabão ou usar álcool gel para evitar contágio.
Tal qual sabão x gel, a tola disputa chega à cúpula federal. Até ministros e parlamentares contraíram o vírus, mas o presidente Bolsonaro reitera que a imprensa fantasia ou inventa a peste, contrariando a ação do próprio ministro da Saúde. O perigo extremo exige união com lucidez. Neste quadro, o jurista e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr. (autor do pedido de impeachment de Dilma) sugere, agora, que Bolsonaro se submeta a um exame de sanidade mental.
Seria, talvez, unir sabão e gel.