O coronavírus assusta mais do que conto de terror, pois é concreto e aí está. Mas o letal que nos rodeia e ameaça é de outro tipo. Gruda-se ao dia a dia e se propaga em silêncio. Aos poucos, impregna-se no modo de vida e extermina tudo.
Supera, até, a peste bubônica, que devastou a Europa na Idade Média. O vírus letal nos desvia da realidade, mata a percepção e não distinguimos o bem do mal.
O vírus letal e ameaçador é substituir o senso crítico pela crença ingênua no absurdo. Na política, aplaudimos a fúria ignorante que vê no ódio a forma de combater a violência, ou defendemos ladrões simpáticos. Suportamos o narcotráfico e a corrupção. Achamos que educar é ensinar a ler e escrever, nunca formar cidadãos conscientes da missão humana.
O vírus é letal ao destruir os valores solidários e nos fazer só consumidores, máquinas movidas a óleo. Em suma _ o vírus nos torna lobos e aplaudimos o violento "tum tum tum" da falsa música sem ouvir Beethoven, Vandré ou Chico Buarque.
É letal porque mata os passos da humanidade para superar a caverna. Já há quem (no alto do poleiro do poder) diga que a Terra "é plana" e deixamos por isso, sem expulsar o impostor.
O vírus letal faz, até, que alguns vejam o coronavírus chinês só pelos números da economia, supondo que o horror "pode, até, nos beneficiar" no preço interno da carne…
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Ao nos desumanizar e nos tornar coisa vendável, o vírus se fantasia de "autoridade". Hoje, por exemplo, a ciência e o Papa advertem sobre o horror das mudanças climáticas e suas causas, mas, aqui, o poder público nada ouve.
As mudanças ao Código Estadual do Meio Ambiente (que o governador Leite propôs e o Legislativo aprovou) facilitam a consumação de um crime à vida - a pretendida mina de carvão à beira do Jacuí, a 12 km da Capital, que poluirá o ar espalhando doenças e pode fazer do Rio Guaíba uma lixeira.
Repetiremos Brumadinho?
Nesta semana, duas personalidades, o arcebispo dom Jaime Spengler e o empresário Paulo Vellinho, se uniram às conclusões de geólogos, biólogos, botânicos, médicos e juristas e apontaram o perigo inútil da mina. Já no título de artigo neste jornal, dom Jaime indagava se "carvão mineral é investimento?", e alertava que não se pode transformar a vida em mercadoria.
Do alto da lucidez e experiência de pioneiro industrial, Paulo Vellinho lembrou, no Jornal do Comércio, que implantar um Polo Carboquímico significaria atrasar o Rio Grande em 50 anos, pois "o carvão está sendo abandonado nos EUA, China e Alemanha devido a seu poder poluidor".
"Por mais ´lobby` que façam, não conseguirão dourar a pílula, pois o carvão, felizmente, está condenado a ficar onde está", acentuou Vellinho, ex presidente da Fiergs e empresário com visão da coisa pública e do bem comum, livre de vírus.