A insensatez do atraso e os ciúmes típicos da delirante visão ditatorial convergiram no ato de Jair Bolsonaro ao demitir o ministro da Saúde, Luís Mandetta. Assim, preparemo-nos para o pior - o coronavírus foi entronizado como uma espécie de "novo filho" na prole mandante do presidente da República.
Nem mesmo no furor das críticas a Bolsonaro, no auge da campanha presidencial de 2018, jamais se pensou que ele chegasse à insensatez de demitir o correto ministro da Saúde em plena peste do Covid 19. A pandemia amontoa cadáveres aqui e mundo afora. Nas 24 horas anteriores à demissão, se registraram oficialmente 2.190 novos casos e quase 200 mortes no Brasil, mesmo com a prevenção e os cuidados que Mandetta estimulou. Os números reais (não anotados) duplicam ou triplicam, até.
A pandemia alterou tudo, da morte à forma de viver. Mas nada explica a pequenez de ver só o ágio, nunca o contágio. Não há economia sem pessoas que desfrutem os bens produzidos. Primeiro é a vida, não a economia, como prega o fanatismo.
Todo o fanatismo se nutre da ignorância e, nela, engendrou monstros como Nero, Hitler, Stalin, Pol-Pot ou os generais das ditaduras sul-americanas, com súbditos apoiando o terror. Se Bolsonaro não perceber (como agora) que começa a beirar o abismo, o presidente se encaminha a figurar entre os líderes do horror.
Chega a mencionar, até, o "estado de sítio" para impor absurdos palpites opostos à ciência. O ministro do STF Gilmar Mendes (um conservador que Bolsonaro não pode tachar de "agitador comunista") lembrou que o presidente da República tem poderes para demitir o ministro da Saúde mas "não para ser genocida". O genocídio é crime contra a humanidade, como o Covid-19 nos expõe hoje.
Chegamos ao perigoso ridículo de o Facebook e o Twitter interditarem as postagens de Bolsonaro por incentivarem a propagação do coronavírus. Ou o presidente quer exterminar o vírus à bala, com o dedo indicador e o polegar simulando revólver, como faz?
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O escritor Rubem Fonseca foi recordado ao morrer, dias atrás aos 94 anos, como um dos estilistas da língua portuguesa. Ele próprio, porém, foi vítima da habilidade de inventar situações e personagens. Em 1976, seu livro "Feliz Ano Novo" foi proibido (como "brutal") pelo regime ditatorial que ele ajudou a criar.
Fonseca despontou como ficcionista em 1961, ao comandar a propaganda do IPÊS, um falso "instituto de pesquisa social" criado pelo general Golbery do Couto e Silva para preparar o golpe de 1964 e os 21 anos de ditadura. Sem as hábeis invencionices de Fonseca, o golpe não teria tido apoio de extensas (e ingênuas) faixas do povo.
Lá, na bala suprimiram a liberdade. Hoje, em liberdade, optam pela bala?