O rosto é o primeiro sinal do que somos e, assim, encobri-lo foi, até aqui, uma forma de esconder nossos desejos ou atos vergonhosos. Pelos séculos, nos mascaramos para ocultar o que os outros não deviam perceber. Só na folia do Carnaval ou na seriedade dos hospitais, a máscara não escondia alguma maldade.
O Covid-19 mudou até isto. Agora, máscara tornou-se sinal de proteção à vida, ou materialização da esperança, uma boia a quem se afoga. Nenhum tratado ou pesquisa jamais imaginou que, em pleno século 21 (quando pensávamos haver dominado tudo na ciência) um vírus espalhasse terror similar ao da peste bubônica do sombrio século 14.
Por isto, não uso metáforas poéticas para transmitir paz neste momento de aflição e medo. Só o alerta em torno do perigo nos fará vencer e conquistar a paz. Um inimigo invisível nos ataca e não vamos desviá-lo com palavras floridas, mas com prevenção e cuidados.
Toda pandemia nasce da degradação do habitat humano, seja de que tipo for. O diretor científico da Organização Mundial da Saúde (OMS) advertiu, agora, para "uma tragédia ainda maior" a ser provocada pelas mudanças climáticas em poucos anos. Mas seguimos usando combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, sem desenvolver a energia do sol, dos ventos ou dos mares.
No Brasil, sequer entendemos que toda peste se propaga pelo contágio. E nos expomos ao ridículo de aguentar disparates absurdos como os do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ao inventar que o novo coronavírus é "obra dos comunistas". Esta invencionice idiotizante mostra o outro rosto do momento - o desdém de boa parte do governo federal, a começar pelo presidente, tapando os olhos no triste momento atual.
***
Neste cotidiano de rostos com máscaras, as aglomerações continuam na Capital, e, em muitos lugares, sem mascarados. É o caso de algumas grandes redes de supermercados ou pequenos armazéns de bairro, onde nem quem lida com dinheiro protege boca e nariz. Mas também conheci um "super" na vizinha Eldorado, onde só entram oito pessoas após limpar-se, na porta, com álcool-gel.
Usar máscaras no transporte coletivo é medida imprescindível e devia se estender a toda atividade pública. A tal de "flexibilização" não pode virar um carnaval de perversão sanitária. Basta já o que ocorre hoje, com o aumento de preço de certos insumos básicos, e que nem sequer se destinam aos sacrificados produtores, mas à voraz intermediação.
É absurdo esperar pela vacina, ainda em testes. Se aprovada, a produção levará meses. Restará, então - como em Manaus - que a "contingência funerária", com enterros em valas comuns, supere a "contingência sanitária".
Nosso rosto, então, será fúnebre.