A Copa do Mundo domina o cotidiano e faz o futebol comandar a vida ou, até, os sonhos. Qualquer insignificância a ocorrer na Rússia supera o que vemos no outro lado da calçada. O ser humano é crítico por natureza e buscamos os erros quando o triunfo é penoso e surge nos instantes finais, como agora.
A ânsia de vitória nos transforma em analistas da própria sombra. Os erros dos árbitros são visíveis. Os de Neymar e da equipe nascem no violento futebol atual, em que empurrar ou puxar a camisa do adversário é um mimo comparado ao resto.
O erro profundo e concreto da Copa, porém, não é nada disso nem está no campo ou nas arquibancadas. O erro gritante são os mil quatrocentos e sessenta dias dos quatro anos que separam uma disputa de outra. Em suma: o erro brutal (e único) é o calendário da FIFA.
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Já pensaram se a Copa fosse semestral?
Sim, isto mesmo, de seis em seis meses! Viveríamos felizes, sem nos irritar com o palavreado oco de Temer e seus ministros, ou dos medíocres candidatos que se propõem a sucedê-lo. Ou que, aqui, buscam o Piratini e fazem da política uma feijoada indigesta em que tudo se mistura.
Nada nos abalaria. Estaríamos (como hoje) concentrados na esperança da Copa, sem que a violência, a insegurança no trabalho ou na vida nos preocupe, sem que a vulgaridade e ignorância nos domine. Só haveria chutes e dribles. Em dias de jogo, trabalharíamos menos e ninguém iria à escola, mas nos alegraríamos na vitória, como hoje, ou teríamos fé sem chorar na derrota.
Uma Copa no inverno, outra no verão e estaríamos sempre na primavera. Não nos iludiríamos com os corruptos e corruptores públicos ou privados, expulsaríamos de nossas vidas os chefetes políticos e suas palavras enganosas. Eles poderiam, até, continuar a mentir, mas já não os escutaríamos - nossos ouvidos estariam na Copa, só na Copa.
Tudo talvez fosse postiço e falso, mas não precisaríamos esperar quatro anos para renovar a ilusão. Estaríamos sempre embriagados pela expectativa da Copa, num porre semestral que ocuparia nossa vida.
O único a perturbar seriam as notícias de novos assaltos (iguais aos velhos, como agora) na rua roubando o carro ou o celular, ou em obras públicas deixando o Brasil sem ar. Nem isso, porém, nos abalaria.
Seríamos felizes na ilusão, como um sonho em vez do pesadelo da realidade de hoje, que só desaparece nos minutos de acréscimo. A vida, porém, não tem acréscimos, como no futebol.