Escrevo de Berlim, na Alemanha, pensando em Porto Alegre e no Brasil. A revolução tecnológica do final do século 20 anulou as distâncias e hoje tudo é fácil de entender ou comparar. Já no trajeto do aeroporto à cidade, saltam as diferenças. Não há buracos nas ruas nem buzinaços nos ouvidos. O trânsito se ordena por si mesmo, sem correria – motoristas e pedestres são os próprios guardas.
O burgomestre (prefeito) e os conselheiros (vereadores) vigiam as necessidades dos habitantes, não as picuinhas partidárias. Hitler – o grande ditador – queria fazer de Berlim "a capital ariana de mil anos", mas hoje as ruas recordam apenas o horror do nazismo. Seria um crime risível se, por exemplo, alguém eleito pelo povo pensasse em restaurar homenagens a Hitler, fosse nome de avenida, quartel ou manicômio. Mais terrível, ainda, seria que a Justiça ordenasse restaurar o nome de uma suposta Avenida Adolf Hitler...
Berlim trata o horror do passado para extirpá-lo até nos resíduos. O jeito rude e de poucas palavras de ontem tornou-se afável. Hoje, os jovens sorriem e, até, caminham quadras para orientar estrangeiros como eu, extraviados nas ruas à noite.
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O passado serve de guia para não repetir o horror. O imponente Portão de Brandenburg da Prússia Imperial é, hoje, o caminho que leva ao Memorial do Holocausto. Logo adiante, um labirinto de tumbas transformadas em arte mostra o mais trágico crime do século 20.
Nem a cidade dividida após a derrota nazista em 1945 guarda as feridas da Guerra Fria. As duas Alemanhas – a capitalista e a comunista – se unificaram a partir da "queda do Muro", sem repudiar ou negar o genuinamente alemão, como o raciocínio e a disciplina. Próximo à Avenida Karl Marx, o imenso monumento a Marx e Engels está a poucos metros da indescritível beleza da Dom, a Catedral luterana. Semidestruída na guerra, a reconstrução começou em pleno governo comunista. Da cúpula, vê-se a cidade inteira.
Cheia de jardins e parques, cuida-se de tudo em Berlim. Das árvores, da fuligem, da navegação no Rio Spree. E dos alimentos, como provei em mim mesmo. No Brasil, sou um celíaco, que não come trigo, e com intolerância à lactose. Aqui na Alemanha, desfruto do pão com glúten, do leite, queijos e iogurtes comuns, sem dano maior.
Entre nós, o escândalo (no Rio Grande e outros pontos do Brasil) do leite misturado a soda cáustica, água oxigenada e pestilências menores, me levou a uma explicação empírica mas definitiva: a pequena cobiça pelo lucro fácil é que transforma nossa indústria alimentar em foco de problemas ou enfermidades.
Ou as vacas alemãs serão diferentes das nossas?