De tempos em tempos, ouve-se alguma sugestão de matéria a ser incorporada ao currículo de nossas escolas. Não raro, grupos de interesse se mobilizam em defesa dessas propostas pelo vislumbre de oportunidades profissionais ou mesmo de negócios, dado que o bilionário orçamento da Educação é tentação constante para diferentes lobbies – e há muito tempo. Na autobiografia O Serelepe, Ruy Mendes Gonçalves, um dos próceres da Editora Saraiva, narrou um episódio que, embora passado oito décadas atrás, ilustra de modo tristemente atual o descaminho sempre possível nas relações público-privadas na Educação, como em tantas outras áreas.
O ministro da Educação no governo Vargas, Gustavo Capanema, implantou uma reforma educacional que surpreendeu a todos os editores de livros didáticos. Ou melhor, quase todos. “Quando saiu a reforma”, escreveu Ruy, “a Editora Nacional já tinha os livros prontos, com todas as modificações exigidas. Foi privilegiada, pois somente ela tivera acesso antecipado ao conteúdo das mudanças. Já a Saraiva precisou jogar fora quase seu estoque inteiro, porque se tornou proibido adotar um livro fora da reformulação pedagógica. A empresa quase quebrou”.
Além de cifras, a educação é um mercado que movimenta consciências, e há uma batalha permanente, embora dissimulada, para conquistá-las. A grande vítima desses embates contaminados pelo partidarismo é o aluno, claro. E o futuro, por extensão. Imagino que país teríamos hoje se, 30 anos atrás, o fanatismo ideológico não tivesse arrancado a disciplina de Organização Social e Política do Brasil (OSPB) dos currículos do Ensino Médio. Teríamos uma geração inteira de brasileiros mais conscientes sobre o funcionamento das instituições e, por consequência, com melhor discernimento sobre em quem votar e o que esperar dos seus representantes. A desinformação brutal do brasileiro médio, escancarada em lives de uma cantora brasileira, me fez lembrar do meu saudoso professor de OSPB Sílvio Tavares Tatsch, da Escola Estadual João Neves da Fontoura, em Cachoeira do Sul. Estávamos nos anos 1970. Éramos adolescentes tentando domar o carnaval dos hormônios e entender algo da vida adulta que estava logo ali, dobrando a esquina do Ensino Médio. E lá vinha o dr. Sílvio nos fustigar, em suas provas... “Explique a função da Câmara dos Deputados e do Senado no sistema bicameral brasileiro. Distinga monarquia e república. Compare presidencialismo e parlamentarismo.”
A disciplina de OSPB faz falta, principalmente se lecionada por professores com a correção do dr. Sílvio, que nunca, a tempo algum e sob qualquer subterfúgio, tentou dizer ou sugerir a seus alunos como deveriam pensar e “se posicionar”.
Em tempo: o Senado é, ou deveria ser, a instância de controle a colocar termo no abusivo poder assumido por ministros do STF nos dias de hoje, e só não exerce este papel porque boa parte de seus integrantes tem ou pode ter processos julgados pelos ministros de toga. Por isso, pense com carinho em quem você votará para senador em 2022.
A defesa da liberdade, violada de modo contumaz pela atual composição da suprema corte, está em suas mãos, e apenas em suas mãos.