O canal Terça Livre, referido na coluna anterior, não é o único caso, e nem necessariamente o mais importante, no rol de veículos e comunicadores barrados na festa da “democracia” brasileira. Mereceu destaque por envolver um inacreditável pedido de extradição apresentado pelo Supremo Tribunal Federal contra seu fundador, Allan dos Santos. Mas há vários outros personagens neste catálogo de brasileiros deserdados do direito de falar, de dizer o que pensa, de gostar do que gosta, de não gostar do que não gosta. E, sobretudo, de questionar.
Nesta lista há humoristas, jornalistas, políticos, médicos, ativistas, artistas, pesquisadores. Há gente com mandato outorgado por milhares de brasileiros – no caso do deputado estadual Fernando Francischini, cassado e tornado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral, a decisão castra a voz de cinco Maracanãs lotados de eleitores do Paraná. No balaio, há uma dona de casa chamada Bárbara, que um dia pegou seu celular e acreditou, quanto atrevimento, que poderia, entre pratos, panelas e esfregões, postar comentários políticos em uma resenha semanal, a Te Atualizei, na qual refogava notícias da imprensa, mexia bem, temperava com um molho acridoce de crítica e humor e servia para amigos, depois amigos dos amigos, até chegar às raias do primeiro milhão de seguidores. Foi quando ela conheceu a foice do STF.
Impossível contemplar, neste espaço, todos os perfis de perseguidos. O que se pode dizer é que o catálogo é numeroso e cresce quase todo dia, assim como os apedrejadores, pessoas que se consideram politicamente corretas, virtuosas, esclarecidas e dotadas de uma missão higienizadora contra quem atravessa seu caminho ou não lhes segue o passo.
Lembro, quem não?, de Hillary Clinton dizendo na campanha eleitoral de 2016 que a metade (!) dos apoiadores de Donald Trump era o que ela chamaria de gente deplorável (“basket of deplorables”), uma generalização tão grosseira e injusta contra os conservadores que valeu a ela a pecha de preconceituosa e intolerante. Hillary pagou seu preço na eleição, mas é injusto debitar o erro em sua conta, apenas. Ela vocalizou um sentimento de superioridade moral e intelectual que vaga pelos gabinetes do poder político e econômico em várias partes do mundo – Brasil inclusive.
O desprezo de uns por outros é tão antigo quanto a humanidade, mas justamente para evitar a barbárie é que construímos leis e instituições que equacionam as tensões e os dissensos sem o estrangulamento da liberdade. Sufocar ideias, renegar visões, silenciar o debate – na ciência e na imprensa – são retrocessos perigosíssimos em tudo quanto conquistamos até aqui. Criminalizar opinião e maldizer o contraditório é grave. Ainda mais quando parte de quem tem o poder de mandar prender, quebrar sigilos, violar intimidades e obstruir fontes de renda, à margem da lei e ao arrepio da Constituição – e, pior, de modo irrecorrível.
Isto, sim, é deplorável.