Em 2020, nos primórdios da pandemia, dezenas, depois centenas, e posteriormente uma legião de médicos se recusaram a aceitar o fatalismo e trataram de discutir com seus pacientes o emprego de medicamentos que, evidentemente, não tinham indicação específica para o vírus que acabara de surgir, mas revelavam resultados aparentemente promissores nas práticas clínicas de colegas do Brasil e do Exterior. Minha primeira reação foi procurar uma vacina – não aquela em que você está pensando, porque inexistia. Refiro-me à vacina do julgamento desapaixonado, que pesa fatos, dados, indícios e em certa medida nos imuniza contra a tentação do wishful thinking. Haveria, em realidade, um tratamento capaz de ajudar o sistema imunológico das pessoas a responder à doença, reduzindo o risco de internações e mortes?
Um debate para médicos e cientistas, com certeza. Mas debate não houve. Os médicos em questão foram deslocados para o acostamento da grande via de informação por onde trafegaram, impávidos, pesquisadores e especialistas de diferentes cepas que, e falo figurativamente, dessem quitação a um determinado “pedágio”: assumir a postura de que não havia tratamento para a covid-19, apenas medidas prudenciais de isolamento, gel e máscara – e discussão encerrada. O crescimento por vezes exasperante do número de casos entre pessoas confinadas colocou em evidência uma preocupação de milhões de brasileiros infectados ou expostos à roleta-russa do contágio: se não há vacina e não há tratamento para a covid, o que fazer? Esperar o desfecho, e rezar?
Aguardei, tenso pela minha vida e pelas vidas todas, um debate que nunca chegou e que colocasse, frente a frente, com “paridade de armas”, defensores e críticos da adoção de remédios “reposicionados” para reduzir carga viral, além de anticoagulantes e corticoides – cuja prescrição também vinha sendo alvejada na avenida principal do mainstream televisivo.
Aguardei, tenso pela minha vida e pelas vidas todas, um debate que nunca chegou e que colocasse, frente a frente, com 'paridade de armas', defensores e críticos da adoção de remédios ''reposicionados' para reduzir carga viral, além de anticoagulantes e corticoides..
Sigo aguardando esse debate, lhes digo. Porque mesmo com o advento de vacinas continuaremos a necessitar de tratamento, como já está muito claro. Se não para você, para grandes indústrias farmacêuticas, que começam a reorientar suas linhas de pesquisa e desenvolvimento de fármacos para explorar um princípio elementar: antivirais ajudam, sim, o sistema imunológico, na medida em que impedem ou dificultam a replicação do vírus. É o que diziam, mutatis mutandis, aqueles tresloucados do acostamento, não?
A diferença que provavelmente existirá é que as pílulas contra a covid deverão custar bem mais caro do que uma certa droga muito popular, porquanto virão protegidas por patentes que remuneram, com justiça, anos e anos de pesquisa.
Anos e anos?
Receio ter exagerado. Imagino que serão aprovadas em caráter experimental, e entusiasticamente acolhidas.