Sem nenhum contrato fechado para receber novas vacinas contra a covid-19 em 2022, o governo federal é pressionado por especialistas para ir atrás de novas doses. O receio é de que o atraso para firmar acordos, registrado no ano passado, se repita.
A necessidade de novas negociações se dá por uma precaução: cada vez mais, consolida-se a perspectiva que a covid-19 não será extinta, mas se tornará endêmica – isto é, seguirá presente, mas em patamares mais brandos do que os registrados atualmente, assim como a gripe H1N1.
O entendimento de que a covid-19 se transformará em endemia é compartilhado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A consequência disso é que, pela lógica, toda a população, ou ao menos grande parcela, teria que ser vacinada novamente – ao menos no próximo ano.
O temor de especialistas é de que o Brasil atrase e fique novamente atrás na fila de países que fecham acordos com farmacêuticas – fator que atrapalhou o ritmo da campanha neste ano. Diversos países já fecharam acordos com farmacêuticas para obter vacinas em 2022 – incluindo Estados Unidos, Israel e Argentina
A União Europeia, que comprou doses até 2023 para países do bloco, diz que os imunizantes adquiridos poderão ser usados em crianças, contra novas variantes ou como reforço na população no geral.
— Até o momento, não há previsão de compra de vacinas. Isso preocupa a todos. Certamente vamos precisar — observou Anaclaudia Fassa, professora de Epidemiologia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), em evento da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) na terça-feira (28).
Já há farta evidência de que, após cerca de seis meses, idosos e pessoas com sistema imune deficiente perdem proteção contra a covid-19. Mas a ciência ainda não sabe a duração da imunidade gerada para adultos e adolescentes, o que dificulta o planejamento para 2022.
A experiência mostra que a covid-19 se comporta mais parecida com outros vírus respiratórios que exigem revacinação anual, como a gripe H1N1, do que com o vírus da febre amarela, que necessita de apenas uma vacina por toda a vida.
Essa percepção motiva governos de países como Israel, Reino Unido, Uruguai e Rússia a começarem a revacinar a população. Em Israel, mais avançado, todas as pessoas com 12 anos ou mais já podem receber dose de reforço.
Motivos para a compra
Dois motivos sustentam a importância de comprar mais vacinas: o risco de a eficácia cair ao longo do tempo e a possibilidade de surgirem novas variantes, diz o médico Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e integrante da Câmara Técnica do Plano Nacional de Imunizações (PNI).
As vacinas atuais dão conta das novas variantes, desde que sejam tomadas as duas doses. No entanto, com vacinação desigual ao redor do mundo, há risco de que novas cepas surjam em regiões com menor cobertura – esse argumento é o que motiva a Organização Mundial da Saúde (OMS) a solicitar que países doem doses a nações mais pobres.
— Há um grau de incerteza muito grande sobre como será a epidemia em 2022. A ciência ainda não apontou quem deverá ser revacinado. Jovens precisarão? Teremos que aplicar quarta ou quinta dose em idosos? Qualquer decisão envolve risco de compra, mas o risco de não comprar, ficar sem e depois precisar deve ser considerado — diz Kfouri.
Com leque maior de imunizantes disponíveis, Kfouri sugere que o governo brasileira possa comprar doses específicas para diferentes parcelas da população.
— Sabemos que as vacinas de RNA mensageiro (como Pfizer e Moderna) respondem melhor e que as vacinas inativadas (como CoronaVac) têm menos risco para crianças. Poderemos elencar diferentes vacinas para diferentes populações e estimar as compras. Assim, garantir um número de doses que, ainda que não se traduzam em aplicação, virem doação — acrescenta o diretor da SBIm.
O médico infectologista Cezar Riche, do Hospital Mãe de Deus de Porto Alegre, reflete que, mesmo durante uma endemia, a revacinação de adultos pode ser importante para diminuir ainda mais a circulação da covid-19. Mais à frente, em 2023, pode ser que os imunizantes sejam usados apenas em públicos específicos.
— Em um primeiro momento, precisaremos da revacinação para todos, inclusive adultos saudáveis. Depois, poderemos ter campanhas semelhantes como a da influenza, para idosos, gestantes, imunossupressos e profissionais da saúde. A gente espera que a covid se mantenha circulando e, com populações específicas recebendo reforços vacinais, a gente conseguiria ter um cenário mais tranquilo — analisa.