Em meio à expectativa de que a pandemia de covid-19 perca força no Brasil em 2022, mas não seja extinta, analistas discutem a necessidade de o país comprar mais doses de modo a revacinar a população no ano que vem. O governo federal ainda não tem nenhum acordo fechado com farmacêuticas.
A essa altura, o Ministério da Saúde já deveria ter fechado a programação de entrega de doses para 2022, avalia o médico sanitarista Claudio Maierovitch, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Brasília e ex-diretor de vigilância de doenças transmissíveis do Ministério da Saúde.
— As encomendas de vacinas de rotina do PNI sempre foram feitas com cerca de um ano de antecedência. Isso sem disputa internacional por compra. O país provavelmente vai precisar de uma quantidade de vacinas em 2022 quase tão grande como a de 2021, pensando que teremos vacinação de crianças e adolescentes e reforços para todas as faixas — destacou em evento da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) na terça-feira (28).
A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), escritório da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas, entende que a região migrará de epidemia para endemia (com circulação de vírus em níveis mais baixos) e diz que surtos de covid-19 serão mais frequentes em hospitais, asilos, prisões, áreas ao redor de grandes cidades e regiões rurais.
Ainda não há estudos provando que toda a população, além de idosos e imunossuprimidos, precise de terceira dose. Mas a experiência com outros vírus respiratórios, como adenovírus e influenza, sugere a necessidade de reforço para toda a população.
— O futuro aponta que vão ser necessárias doses extras, seja por queda de imunidade ou pelo surgimento de novas variantes — resumiu a epidemiologista Ligia Kerr, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Outros países
Diversos países já fecharam acordos com farmacêuticas para obter vacinas em 2022 – incluindo Estados Unidos, Israel e Argentina. A União Europeia, que comprou doses até 2023 para países do bloco, diz que os imunizantes poderão ser usados em crianças, contra novas variantes ou como reforço na população no geral.
Hoje, nações com abundância de vacinas já começaram a aplicar a terceira dose na população no geral. O Reino Unido começará a revacinação para pessoas acima dos 50 anos. Chile, para aqueles acima de 55 anos. No Uruguai, para qualquer vacinado há mais de 90 dias. Na Rússia, para todos que completaram o esquema vacinal há mais de seis meses.
No caso mais avançado, Israel, que já oferece a terceira aplicação a adolescentes a partir dos 12 anos, se organiza para a possibilidade de comprar a quarta dose para seus habitantes.
No Brasil
Contatado por GZH, o Ministério da Saúde afirma, por meio de nota, que foram compradas 600 milhões de doses para este ano, o suficiente para atender a toda a população brasileira com duas doses, mais o reforço de idosos acima dos 60 anos e imunossuprimidos.
Admite, ainda, que "mantém diálogo com laboratórios para analisar a aquisição de doses adicionais para um possível novo ciclo de imunização no ano de 2022".
O Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2022, espécie de planejamento de gastos do governo federal para o ano, prevê R$ 3,9 bilhões somente para vacinação, 86% menos do que o gasto em 2021, de quase R$ 28 bilhões. A proposta precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional.
Em declarações nos últimos meses, o ministro Marcelo Queiroga informou que a pasta está em tratativas com diferentes laboratórios, que a vacina contra a covid-19 deve ser incorporada ao Plano Nacional de Imunizações (PNI) no ano que vem e que será dada preferência aos imunizantes já aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e hoje em uso.
Laboratórios
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) confirmou a GZH que negocia com o Ministério da Saúde a venda de vacinas da AstraZeneca. A capacidade de produção é de 180 milhões de doses para o ano que vem, sem depender de importar ingrediente farmacêutico ativo (IFA), mas “o quantitativo a ser fornecido ainda será definido”.
A Fiocruz ainda negocia para estabelecer no Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICBS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) uma fábrica para produzir parte dos insumos em Porto Alegre. Uma visita estava marcada para setembro mas foi adiada, informa Ilma Brum, diretora do ICBS.
Em um dos depoimentos à CPI da Covid, Queiroga disse que havia incerteza sobre qual seria a real necessidade de doses – se será preciso aplicar uma ou duas vezes em cada pessoa.
Na ocasião, afirmou que o governo negociava com a Moderna a compra de 100 milhões de doses, mas nenhuma declaração após junho foi dada sobre o assunto. O laboratório não respondeu ao contato da reportagem. A farmacêutica não tem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso no Brasil.
Nos bastidores, sabe-se que o Brasil começou a negociar com a Pfizer em 24 de abril doses para 2022, mostra telegrama da cônsul-geral do Brasil em Nova York, a embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, conforme noticiou o portal UOL e GZH confirmou.
Ao descrever ao Itamaraty reunião com o presidente-sênior para política global da Pfizer, Jon Selib, a embaixadora diz que pediu para o laboratório priorizar o Brasil na venda de vacinas no ano que vem. O relato da conversa foi enviado ao Itamaraty, como é praxe para diplomatas após encontros com negociações políticas, e o documento foi enviado à CPI da Covid.
Em resposta, o porta-voz da Pfizer afirmou que a farmacêutica teria capacidade de produzir 4 bilhões de doses em 2022, que o mercado brasileiro é importante, reforçou a intenção de seguir oferecendo doses ao país e lamentou que a farmacêutica buscou o governo brasileiro no ano passado, sem ter conseguido firmar acordo naquele momento.
De abril para cá, as negociações seguem e, segundo afirma a colunista Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo, a oferta giraria em torno de 200 milhões de doses – o Ministério da Saúde tenta reduzir o valor de US$ 15 para cerca de US$ 4 dólares a dose e ainda negocia a transferência de tecnologia para o país.
Questionada se está em negociações com o Ministério da Saúde, a Pfizer enviou nota na qual diz que “segue comprometida em atuar junto ao Governo Brasileiro para a disponibilização da vacina”.
A Pfizer já fechou com a farmacêutica brasileira Eurofarma a assinatura de uma carta de intenções para que as vacinas sejam fabricadas em Itapevi (SP) e distribuídas na América Latina, sem a necessidade de importação como vem ocorrendo até agora. A expectativa é produzir mais de 100 milhões de doses ao ano.
Na terça-feira, o jornal Valor Econômico informou que o Ministério da Saúde desistiu de comprar CoronaVac para o próximo ano, sob o argumento de que o imunizante não poderia ser usado como terceira dose e que há forte rejeição dos brasileiros à marca.
Contatado pela reportagem, o Butantan informou que não há negociações para fornecer CoronaVac ao governo federal no ano que vem e que aguarda o desfecho do estudo que avalia a segurança e a eficácia da ButanVac, o imunizante 100% produzido pela instituição. Resultado desta semana com voluntários da Tailândia mostrou que o novo imunizante é seguro e provocou resposta imunológica potente.
A Janssen não respondeu aos questionamentos de GZH.
— Há conversas com todos os laboratórios, incluindo a Janssen. Teremos produção nacional da CoronaVac, da ButanVac se for aprovada, da AstraZeneca e da Pfizer, pela Eurofarma. Isso ajudará — comenta o médico Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e integrante da Câmara Técnica do Plano Nacional de Imunizações (PNI).
A Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul (SES-RS) informou que, no momento, não trabalha com a possibilidade de comprar vacinas por conta própria e que “segue vacinando a população com as doses disponibilizadas de forma centralizada pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI)”.