Se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vir a aprovar um eventual pedido de autorização de uso da vacina da Pfizer em crianças de cinco a 11 anos, o Brasil ficará apto a vacinar 93% da população – o Rio Grande do Sul, 93,8%. O avanço deve contribuir para o controle da epidemia e uma retomada mais próxima ao “normal”, avaliam três médicos de diferentes áreas ouvidos por GZH.
Pfizer e BioNTech anunciaram, na última segunda-feira (20), que sua vacina contra a covid-19 é segura e eficaz em crianças de cinco a 11 anos. As duas farmacêuticas afirmam que solicitarão aval para uso da vacina em crianças nas agências regulatórias dos Estados Unidos, da Europa “e outras agências regulatórias ao redor do mundo o quanto antes”. O uso no Brasil depende de a Pfizer solicitar e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dar o aval. A instituição reguladora ainda não recebeu nenhuma solicitação da farmacêutica, informou a GZH nesta quarta-feira (22). O prazo para análise do pedido de uso emergencial é de sete dias ou de 30 dias, a depender da situação.
A inclusão de crianças deve ajudar no esforço de produzir um cordão de proteção natural na população. A faixa etária entre cinco e 11 anos é grande: no país, há 20,4 milhões de crianças nesse grupo – destas, 958,4 mil vivem no Rio Grande do Sul, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Depois do aval da Anvisa, o Ministério da Saúde precisa incluir as crianças no Plano Nacional de Imunizações (PNI) e distribuir aos Estados doses correspondentes. Contrato com a Pfizer prevê 100 milhões de doses entre outubro e dezembro, a serem repartidas entre a segunda dose de adultos, reforço em idosos, adolescentes e, ainda, crianças.
— O Rio Grande do Sul vai usar as vacinas em crianças se a Anvisa permitir e se o Ministério enviar. Nós trabalhamos com doses do PNI (Plano Nacional de Imunizações) — resumiu a GZH Tani Ranieri, chefe da divisão de Vigilância Epidemiológica do Centro Estadual de Vigilância em Saúde.
O uso em crianças depende também do avanço da campanha. A despeito de o ministério da Saúde retirar a recomendação de vacinar jovens de 12 a 17 anos – por questões de logística, e não de risco, como admitiu depois –, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu autonomia para que Estados e municípios decidam se adolescentes podem ser vacinados. No Rio Grande do Sul, o governo estadual manteve o uso.
Inclusão de crianças ainda deve demorar
A liberação de uso da Pfizer para crianças no país não deve ocorrer nas próximas semanas, e sim entre o fim deste ano e início de 2022. Portanto, a inclusão de brasileiros de cinco a 11 anos deve demorar alguns meses ainda, pondera o médico Eduardo Fonseca Lima, do departamento científico de imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
— Não é para agora. Neste ano, o estudo deve ser publicado e, aí, eles devem pedir autorização para a Anvisa. Antes de vacinar crianças, precisamos avançar na terceira dose de idosos inclusive acima dos 60 anos, dar a segunda dose em adultos e vacinar adolescentes, que aglomeram mais, vão para a balada e usem menos máscaras — afirma Lima.
Estudos mostram que o número de casos de coronavírus em crianças representa entre 1% e 5% de todos os casos. No Brasil, desde o começo da pandemia, cerca de 2,4 mil crianças e adolescentes morreram de covid-19, um número que pode parecer pequeno comparado a adultos, mas supera o total de óbitos causados por todas as doenças preveníveis na infância com vacinação no país, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
A entidade também cita estudo feito no Brasil mostrando que há mais risco de morte por coronavírus em crianças com menos de dois anos e mais de 12 anos do que nas crianças entre 2 e 11 anos.
— É complicado de dizer se a imunidade de rebanho vai chegar, mas ela só virá quando vacinarmos bem as crianças, porque a transmissibilidade vai continuar a acontecer. As crianças, apesar de fazerem quadros bem mais leves, transmitem a doença. Para termos controle da epidemia de forma mais segura, é fundamental vacinar as crianças — afirma Eduardo Fonseca Lima, da Sociedade Brasileira de Pediatria.
O médico Airton Stein, professor de Epidemiologia na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), lembra estudo da Federal de Minas Gerais (UFMG) mostrando que a covid-19 matou, proporcionalmente, sete vezes mais crianças brasileiras do que britânicas. Se lá 1% das crianças hospitalizadas morrem da doença, por aqui o índice pula para 7,6%.
— Quanto menos ocorrer a transmissão do vírus, mais preparada a sociedade estará para voltarmos a um estágio possível de circular sem o risco da pandemia. Maior a probabilidade de ter uma situação estável e sem risco de transmissão — resume Stein.
O médico Luciano Goldani, infectologista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pontua que há poucos dados mostrando o impacto da vacinação em crianças na pandemia, mas que, com crianças protegidas, a lógica é permitir mais flexibilidade na circulação.
— Teremos uma vida social bem melhor do que tivemos neste ano e o ano passado. Dificuldades para viajar ainda teremos, porque existe discrepância enorme na vacinação entre países. No Brasil, as restrições vão diminuir, mas não totalmente, porque o vírus segue infectando pessoas vacinadas. Acho que grandes aglomerações serão difíceis, vejo com cautela grandes shows e pessoas nos estádios. Mas a vida social vai ser bem melhor — diz Goldani.
E outras vacinas em crianças?
CoronaVac
O Instituto Butantan chegou a solicitar à Anvisa autorização para usar a CoronaVac em crianças e adolescentes de 3 a 17 anos, mas a instituição recusou, em 18 de agosto, o pedido por entender que os dados eram insuficientes. Contatado por GZH na terça (21), o Butantan afirmou que aguarda o envio de mais estudos feitos na China e que não tem previsão de quando entrará com novo pedido de liberação junto à agência reguladora brasileira. China e Chile aplicam a CoronaVac em crianças.
Moderna
A Moderna, vacina desenvolvida nos Estados Unidos e não liberada no Brasil, analisa os efeitos protetivos em crianças a partir dos seis meses. A análise já incluiu mais de 13,2 mil voluntários. Nos Estados Unidos, o uso está liberado apenas para adultos com 18 anos ou mais.
SinoVac
A vacina produzida pela chinesa Sinopharm está aprovada para uso em crianças a partir dos três anos na China e nos Emirados Árabes Unidos.
Soberana 2
A vacina cubana começou a ser aplicada neste mês para crianças a partir de dois anos da ilha.
Covaxin
Com importação vetada pela Anvisa, a Covaxin está em fase de testes na Índia para uso em pessoas de dois a 18 anos.
Janssen
O laboratório está em fase de testes para avaliar os efeitos da vacina em adolescentes de 12 a 17 anos. Participarão dos testes Espanha, Reino Unido, Holanda e Alemanha. O laboratório também anunciou que Brasil e Argentina devem ser incluídos.