A partir de agora, está aberto um debate sobre a publicação da Medida Provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, que muda radicalmente a configuração dos direitos de transmissão dos jogos de futebol do Brasil.
A questão principal é a liberdade para os clubes mandantes venderem os direitos das suas partidas. Para entender melhor o que vem pela frente, conversei com Wladimyr Camargos, especialista em direito esportivo. No seu currículo, passagem pela Conmebol como vice-presidente da Comissão de Governança e Transparência. Também chefiou a consultoria jurídica do Ministério do Esporte e foi relator da Comissão de Juristas do Senado Federal para a elaboração do anteprojeto da Lei Geral do Esporte. Como colunista do portal Lei em Campo, escreve com frequência sobre assuntos jurídicos ligados ao esporte.
Da conversa, fiquei com duas convicções, que servem de alerta para os clubes de futebol: será preciso muita cautela para tomar qualquer decisão agora, e o texto final poderá sofrer grandes alterações no Congresso Nacional.
Os dirigentes de Grêmio e Inter já estudam com calma tudo que poderá acontecer, e a conversa com advogados e deputados federais será fundamental a partir de agora. Aliás, estas conversas deverão modificar o texto da MP. Vamos ao resumo da entrevista com Vladimyr Camargos:
Qual é a sua primeira avaliação da Medida Provisória? É algo bom ou ruim para os clubes?
Dar mais liberdade de negociação sempre é bom para os clubes. Até porque a MP não obriga qualquer tipo de regime. O clube está livre para negociar em bloco, coletivamente. Para que não haja enfraquecimento ainda maior dos clubes menores, eu defendo que exista consciência de que a partir de agora a negociação coletiva passe a ser uma preocupação central de dirigente de clube. Até porque o campeonato precisa ser atrativo. Isto também interessa ao clube grande.
Como fica a situação da transmissão por streaming? Existe a liberdade de agora explorar esta questão independentemente dos contratos já assinados para TV aberta, fechada e pay-per-view?
Eu vejo uma brecha. É sintomático que tenha sido copiado o texto do Projeto de Lei 68, de 2017, que eu fui relator na comissão de juristas do Senado. Esse projeto tramita no Senado. Foi copiado agora somente uma parte e foi deixado de fora o capítulo que existe a obrigatoriedade da internet, da transmissão por streaming. Isso pode ser explorado. Eu defendo uma cautela ao enquadramento imediato do streaming. A Medida Provisória diz que a transmissão por qualquer meio tem de obedecer o que está escrito. Isso é forte e pode atingir o streaming. Mas não citar diretamente transmissão pela internet, e historicamente a Lei Pelé, no artigo 42, falar somente de TV, se cria um campo de dúvida.
O senhor acha que pode ocorrer algum tipo de alteração no texto da MP para a votação na Câmara dos Deputados?
Eu acompanho Projetos de Lei há muitos anos, e o Congresso vai modificar muito. Tem, inclusive, um risco jurídico latente. As coisas que forem realizadas, os contratos que forem realizados na vigência da MP, podem no futuro ter de ser modificados porque a lei poderá ser diferente da MP. No final, sai uma lei de conversão da Medida Provisória. A MP tem validade, mas daqui alguns dias o texto poderá ser completamente diferente. Existe uma insegurança.
Será importante ocorrer um conversa entre deputados e dirigentes para estas alterações de texto?
Pelo que ouvi, isso já está até em curso. Já tem dirigentes e federações procurando deputados e senadores pedindo que sejam ouvidos para emendas e redações alternativas.
Que tipo de alteração poderia ocorrer?
Já são quatro assuntos que estão sendo discutidos neste mês e estão fragmentados em diferentes Medidas Provisórias: clube-empresa, questões trabalhistas, direitos de transmissão e negociação coletiva de clubes. O ideal seria retomar o debate de uma nova Lei Geral do Esporte. A Lei Pelé já tem mais de 40 modificações. Além disso, essa Medida Provisória não tinha nem urgência para ser editada. Ela pode ser até considerada institucional.
Existe realmente esta possibilidade de a MP ser considerada inconstitucional?
A pior hipótese seria como aconteceu com a Medida Provisória que feria a autonomia das universidades, que foi devolvida sem a leitura no Congresso Nacional. Porque aí não teria efeito nenhum. Outra situação seria o Congresso Nacional não votar.
Tirando o Flamengo, o senhor acha que os demais clubes podem tomar alguma decisão até a questão ser apreciada pelos deputados?
Imagino que seria uma imprudência. Se tiver um contrato vencendo, é uma situação jurídica bastante peculiar. É impossível a CBF não estar inserida neste debate. A CBF deve estar se preparando para chamar as comissões de clubes para trazer o debate para o coletivo. Quem assinar um contrato agora, vai ficar perdido no tempo, porque deve ocorrer uma grande alteração da MP no Congresso Nacional.