Meu avô se chamava Augusto Romulo — o que para mim soava mais como título nobiliárquico do que propriamente um nome. Como ele só tivera irmãs e não tinha filhos homens, temia que sua nobre linhagem se findasse com ele. Postulava, por isso, que meu irmão e eu mantivéssemos a descendência, legando o sobrenome para nossos filhos. Não deu. Ainda assim, Augusto viveu uns três anos de glória quando meus colegas de aula decidiram, nos tempos em que prevalecimento não era denominado bullying, me chamar de Romulo. Não só porque julgavam que Eduardo Romulo era nome próprio, pomposo e ridículo o bastante, como também por causa da história daquele cara que mamou na loba. Quinta série forever, sabe como é?
Mas eu nem me importava tanto. Primeiro, porque aquilo enchia meu avô de alegria (e falsas esperanças). Segundo, porque sempre gostei da sonoridade do nome. E por fim porque Rômulo não havia só mamado na loba: depois de matar seu irmão Remo, ele simplesmente fundou Roma. E embora eu fosse fanático pelo Egito Antigo durante a infância, Roma nunca deixou de ocupar lugar de destaque em meu imaginário juvenil. E quando a história dos dois maiores impérios se fundiu — por meio de Júlio César, Cleópatra e Marco Antônio (sem falar em Shakespeare) —, passei a ter ainda mais orgulho da loba. E saber que a história de Rômulo fora contada e recontada por Virgílio, Ovídio, Tito Lívio e Plutarco também ajudava, né?
Os vínculos estreitaram-se ainda mais quando descobri que a lenda de Rômulo havia tomado impulso justo sob Augusto (não o meu avô; o outro, o primeiro imperador, que governou de 27 a.C. a 14 d.C.). Augusto e Rômulo — ah, essa dupla soava como música para mim. Até porque dentre as fabulosas frases cunhadas sobre a Cidade Eterna, uma delas é do xará do vovô: "Encontrei Roma uma cidade de tijolos; deixei-a uma cidade de mármore". Séculos depois, Giotto ecoaria: "Roma é a cidade das ilusões e da nostalgia; Roma é a cidade dos ecos mais ressonantes". Para Byron, Roma era a "cidade da alma" e para o ator Alberto Sordi "um museu em plena sala de estar, onde é recomendável andar na ponta dos pés antes de derrubar um vaso de dois mil anos..."
Tem mais, é claro. "Tolo é aquele que acha que conhece o mundo, mas não conhece Roma", asseverou o grande Petrarca. E aí estão a Roma de Fellini, a cidade aberta de Rossellini, a grande beleza de Sorrentino, a Mama Roma, de Pasolini e tantas cenas outras. Mas para mim nada desvenda a cidade melhor do que a galhofa corrosiva urdida por Petrônio em Satíricon.
Nesse exato instante eu deveria estar em Roma, festejando meu aniversário ao modo de Petrônio. Mas testei positivo antes do embarque. Terá sido vingança de Remo ou praga do pessoal da 5ª série? Ou será que o velho Augusto ainda não me perdoou?