– Quatrocentos mil votos redondos!
Foi o que o chefe da Comissão Verificadora de Poderes, responsável pela contagem dos votos, anunciou, solene, para um Brasil aflito e polarizado. A frase e o número, “redondo”, entraram de imediato para a história e para o anedotário (cômico se não fosse trágico) das eleições da chamada República Velha. Se hoje, 111 anos depois, a maioria dos brasileiros nunca ouvir falar disso é porque somos um povo que desconhece a própria história. E, como diz o chavão, povo que não conhece a sua história, etc.
O Brasil de fato estava rachado entre a candidatura do militar que empunhava “a espada regeneradora”, com a qual iria purgar o Brasil de todos os males, e o professor, cujo passado era associado a um governo desastroso e corrupto. Durante a mais acirrada campanha eleitoral da história pátria, o marechal Hermes da Fonseca era “a espada” e o jurista Ruy Barbosa, “a maior mentalidade da nação” e ex-ministro da Fazenda do corrupto e desastroso governo de Deodoro (aliás, tio de Hermes), era “a pena”. Apesar de ser “a luta da pena contra a espada”, o símbolo da campanha de Ruy era a águia e o da de Hermes... uma vassoura, com a qual ele iria “varrer a roubalheira dos civilistas”.
O Brasil, em 1910, tinha 23 milhões de habitantes, mas só 1 milhão, quatrocentos e noventa mil eram eleitores e apenas 646 mil deles votaram – e há razões de sobra para crer que a contagem não foi limpa. O chefe da todo-poderosa comissão apuradora era o senador gaúcho Pinheiro Machado, o principal articulador da campanha de Hermes. Oficialmente, o marechal acabou recebendo 403.867 votos contra 222.822 do derrotado Ruy. Mas no dia seguinte ao anúncio dos resultados, o jornal carioca Correio da Manhã publicou:
“A população dessa cidade testemunhou ontem o mais degradante espetáculo. Mesários fugiram ao seu dever (...) e só por isso o sr. Pinheiro Machado e outros figurões do hermismo puderam anunciar a vitória, por quatrocentos mil votos redondos. Aqui, na capital da República, temos por certo que foram tirados no mínimo 15 mil votos ao candidato Ruy. Mas o sr. Hermes não conseguirá que o Brasil aceite livremente a sua presidência. O Brasil não o quer”.
Embora o caso de 1910 tenha sido o mais escandaloso, todas as eleições da República Velha foram fraudadas e o voto no papel sempre facilitou a roubalheira. Só quem jamais respeitou nem defende a democracia pode querer a volta do voto impresso. E embora o há pouco defenestrado Donald Trump, eleito por papelões e papeluchos, tenha deixado o poder esbravejando a favor da urna eletrônica, defendendo a tese diametralmente oposta, ele o fez por motivos tão falsos, sórdidos e espúrios quanto os de um certo outro presidente latino. Esse mesmo que, apesar de soluçar, nunca foi a solução.