De volta ao debate, por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) em discussão na Câmara dos Deputados, a possibilidade de impressão do voto eletrônico já foi testada no Brasil. Isso ocorreu na eleição de 2002, mas a experiência enfrentou uma série de problemas.
O caso é relatado em detalhes na série Voto Impresso, produzida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). De acordo com o TSE, a mudança foi determinada pela Lei nº 10.408 de 2002, segundo a qual o eleitor deveria votar na urna eletrônica e depois fazer a conferência visual do voto impresso, sem ter contato com ele. Se os dados fossem confirmados, o voto em papel seria depositado em uma urna de lona lacrada.
Assim, naquele ano, 7,1 milhões eleitores de 150 municípios de todos os Estados (6,2% do eleitorado) participaram da iniciativa. No Rio Grande do Sul, apenas três cidades foram contempladas: Sapucaia do Sul, Esteio e São Leopoldo.
À época, o então presidente do Tribunal Regional Eleitoral no Estado (TRE-RS), desembargador Marco Antônio Barbosa Leal, criticou o esquema de votação impressa e disse que levaria ao TSE as queixas do eleitorado gaúcho. Houve atraso de 10 horas na totalização, atribuída principalmente ao sistema.
— O voto impresso não trouxe nenhum benefício ao pleito, só prejuízo visível. Foi um gasto que não se justifica para a manutenção de um sistema que prejudicou o processo e o eleitor — afirmou Leal, em reportagem publicada em Zero Hora em outubro de 2002, após o pleito.
Ao final do pleito, em relatório oficial, o TSE concluiu que os trabalhos foram dificultados pelo desconhecimento de eleitores e mesários e por falhas mecânicas. Votantes saíram das cabines sem confirmar o voto impresso, houve demora na votação e longas filas, cresceu o número de votos brancos e nulos, foi constatada a necessidade de cuidados extras com transporte, guarda e segurança física das urnas de lona com os votos físicos, os treinamentos se tornaram mais complexos para os mesários e ocorreram falhas na conexão da impressora, deixando o sistema vulnerável. Também foram registrados casos de quebra do sigilo do voto, pois, para resolver problemas de travamento de papel, era necessária a intervenção humana.
Depois disso, um mês após o segundo turno do pleito, presidentes e corregedores de tribunais regionais eleitorais pediram a eliminação do voto impresso. Em outubro de 2003, seria, então, sancionada a Lei nº 10.740, que instituiu o registro digital do voto e revogou os dispositivos da Lei nº 10.408 que determinavam a impressão.
Um passado nem tão distante assim
As urnas eletrônicas começaram a ser usadas em 1996 no Brasil, quando 32% do eleitorado votou no equipamento. Em 2000, o país deixou definitivamente para trás as antigas urnas de lona. Desde então, tudo mudou na apuração dos votos.
Até aquela data, a contagem de votos no Brasil consumia horas, dias e até semanas. Como tudo era manual, erros e trapaças eram comuns. As principais irregularidades incluíam o preenchimento de cédulas com votos em branco em favor de um candidato. Além disso, a subtração e inclusão de cédulas era corriqueira.
Em alguns casos, os problemas começavam antes da apuração. Um exemplo disso era a estratégia do "voto formiguinha". Funcionava assim: um eleitor recebia a cédula do mesário, entrava na cabine de votação e colocava um papel qualquer na urna de lona. A cédula oficial, ainda em branco, era entregue a uma pessoa fora da seção, que assinalava os candidatos desejados e a repassava a outro eleitor. Este tinha a incumbência de depositar a cédula já preenchida na urna, pegar outra em branco e levar novamente ao líder do esquema, e assim por diante. O resultado era a manipulação do pleito.
Havia ainda a tática das "urnas emprenhadas". Como elas tinham apenas um cadeado e lacres de papel, muitas já chegavam "grávidas" à seção, isto é, recheadas de votos.
O sistema de voto eletrônico, que permanece em constante aprimoramento, deu agilidade à contagem e à divulgação dos resultados, acabando com os longos e cansativos dias de apuração. Genuinamente brasileira, a urna eletrônica surgiu para reduzir ao máximo a possibilidade de intervenção humana no processo — e, consequentemente, o risco de maracutaias e equívocos. Ela foi desenvolvida justamente porque havia grande descrédito em relação ao sistema anterior, baseado em cédulas de papel.
Sem conexão com a internet ou com qualquer dispositivo de rede e protegido por uma série de barreiras de segurança, o equipamento tornou altamente improváveis as adulterações e a quebra do sigilo. Além disso, a urna virou sinônimo de democracia no Brasil – sua principal marca passou a ser o sinal sonoro emitido ao final da votação.