Faz já uns 20 anos, ganhei o Prêmio Guri, concedido a “gaúchos que levam mais longe o nome do Rio Grande”. Foi durante a Expointer, por volta do ano 2000. Na ida até Esteio, bati de carro. Não cheguei lá no melhor dos humores, devo confessar. Mas fui sincero quando, ao subir ao palco, falei: “Não tenho vergonha de ser gaúcho, e não acho que ninguém precise ter. Mas entre não ter vergonha e ter toooodo esse orgulho, vai uma certa distância...”. Houve um silêncio inquieto e então soaram as vaias, os apupos, os assovios. Mas eu não estava sendo irônico nem desrespeitoso, apenas fiel à minha própria vivência.
Nasci em Porto Alegre, no crepúsculo da, oh céus, década de 1950. Mas minha família se mudou para São Paulo em 1963. Retornamos em 1968 e, com exceção do fato de eu ter visto o Grêmio ganhar um Grenal por 4 x 0 e sagrar-se heptacampeão, não posso afirmar que tenha sido uma boa experiência. No colégio, me chamavam de “paulista” – e, por mais incrível que aquilo pudesse me parecer, não era um elogio. Um quarto de século mais tarde, revivi a mesma situação. Trabalhava no jornal O Estado de S. Paulo quando, convidado por um ex-grande jornalista (que recentemente cometeu suicídio profissional), voltei para Zero Hora. Pelas costas, éramos chamados de “paulistas” – e embora ele de fato fosse, não era o nosso local de nascimento que estava em questão.
Os gaúchos se dizem hospitaleiros – e talvez sejam, lá em alguma querência nos confins do pampa, e ainda assim quando lhes convém. Os gaúchos gostam de acreditar que “leem mais” que os demais brasileiros. É um equívoco: para seguir só nos exemplos que me tocam, meus livros venderam um milhão de exemplares; 700 mil em São Paulo, 200 mil no Rio e os demais cem mil por esse Brasil afora, com o Rio Grande do Sul à frente. Os gaúchos dizem amar seu torrão natal, mas não perdem chance de falar mal daqueles que “levam mais longe o nome do Rio Grande”. Os gaúchos se julgam “mais politizados” – mas há séculos vem fazendo escolhas tão lastimáveis quanto os eleitores dos outros estados da federação.
Evidentemente os gaúchos têm qualidades – inúmeras e sólidas. Estou lendo o terceiro volume da trilogia A Fronteira, um épico de mais de duas mil páginas escrito por meu amigo Tau Golin. Trata-se de uma epopeia de sangue, suor e lágrimas; crônicas do tempo e do vento, que resultaram no nascimento do Rio Grande, onde surgiu um povo forte, aguerrido e bravo. Mas hospitaleiro? Mais Letrado? Mais politizado? Não pela parte que me toca.
E quanto a não ter vergonha de ser gaúcho, essa semana depois ver e ouvir na CPI da Covid figuras constrangedoras como Osmar Terra, Luis Carlos Heinze e Onyx Lorenzoni, ando pensando em rever meus conceitos – mesmo sabendo que eles jogam num time bem diferente do meu.