Nasci em Porto Alegre, mas dois meses antes de eu fazer 5 anos, minha família cruzou o Mampituba de mala e cuia e nos mudamos para São Paulo. Assim, desde o 1º ano da escola, todo o Sete de Setembro era a mesma coisa: fazíamos uma visita ao Museu do Ipiranga. Era longe – ou pelo menos longe parecia para uma criança de sete anos (embora para “perto” até hoje não sirva) –, mas eu adorava o passeio. Os jardins do Parque da Independência, inspirados nos de Versailles, com cem chafarizes e as azaleias anunciando a primavera; as pinturas monumentais do interior do prédio neoclássico – dentre elas, é claro, Independência ou Morte, de Pedro Américo, com seus oito metros de comprimento –; as estátuas dos bandeirantes, a “casa do Grito”: era tudo puro espanto e êxtase. Um temor reverencial.
Mas a visita me despertava uma dúvida atroz: por que o riacho Ipiranga, que na letra do hino tinha “margens plácidas”, fedia tanto? Claro que eu já convivia com rios poluídos. No passeio de despedida de Porto Alegre, meu avô dissera que costumava nadar no Guaíba, mas que agora ele estava “sujo”. O Tietê, em cuja marginal eu tanto me engarrafava, era um esgoto a céu aberto. Mas eu julgava que só os rios grandes eram sujos – e que córregos, arroios e riachos fluíam sempre límpidos. Justo por isso, o Ipiranga me intrigava. Por que um riozinho já nascia malcheiroso?
Passados mais de 50 anos ainda não tenho a resposta – excetuando-se, claro, o fato de hoje eu saber o que significam ausência de saneamento, loteamentos ilegais, desigualdade e exclusão. Também não encontro explicações para o fato de que quase todo mundo que conheço – com exceção de alguns paulistas – confesse jamais ter visitado o Museu do Ipiranga. Sei que fazem eternos sete anos que ele está fechado – mas, poxa, ficou 118 anos aberto! Não tenho espaço nem saco para contar aqui a história desse marco, mas asseguro que sua construção durou mais, teve mais desvios e desvãos e foi ainda mais constrangedora do que a da tal “trincheira da Ceará”, na entrada de Porto Alegre.
Mas o fato é que o museu passa por grandes reformas e vai reabrir em 7 de setembro de 2022, o dia dos 200 anos. Mas e o riacho? Bem, ele também estará lá, mas aposto que ainda fedido e imundo. Pois enquanto houver algo de pobre no reino do Brasil, seus rios – grandes ou pequenos – podres seguirão. Mas se você quiser odores mais perfumosos, estou lançando O Dicionário da Independência, e quem o adquirir até o próximo dia 14, no site da editora Piu, levará brindes. Adoraria que um deles fosse um copo d´água do Ipiranga – do paulista, mas já serviria se pudesse ser do nosso porto-alegrense.
Só que daí, em vez de independência, seria a morte.