O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes criticou a defesa do voto impresso feita pelo presidente Jair Bolsonaro, sua principal bandeira nos últimos tempos. Para Mendes, o discurso de que sem a medida haveria fraudes nas eleições é um tipo de "lenda urbana" que "galvaniza" a base eleitoral mais dura do presidente.
— Entendo que isso é tão consistente quanto à mensagem que diz que o homem não foi à lua. Não há fraude na urna eletrônica — disse o magistrado.
O tema tem ganhado força devido à insistência de Bolsonaro de que há uma articulação dentro do STF para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva volte à cadeira presidencial por meio de fraude. Bolsonaro tem afirmado a apoiadores que a única maneira de impedir isso seria por meio da implementação do voto impresso e tem frequentemente colocado em dúvida a realização das eleições do ano que vem caso o sistema não seja implementado.
Em entrevista à rádio CBN, Mendes negou a existência de uma "conspirata" para fraudar o sistema eleitoral dentro do STF, e em resposta às críticas de Bolsonaro contra Corte, o decano declarou que o chefe do Executivo deveria fazer um registro positivo da contribuição do Tribunal para sua governança. Segundo ele, o Supremo tem contribuído bastante para sua gestão, "inclusive poupando o governo de erros mais crassos", disse.
Na defesa da segurança das urnas eletrônicas, Mendes usou um argumento que é muito comum quando Bolsonaro critica o sistema, o de que ele mesmo chegou ao poder através das urnas.
— Já tinham ouvido falar de Hélio Negão? Já tinham ouvido falar de Bia Kicis? Nenhum de nós tinha ouvido falar deles. Não obstante, eles vieram nesse arrastão provocado pelo presidente Bolsonaro, o que prova que a urna é fiel aos votos que lá foram depositados —argumentou.
O decano também comentou sobre as tensões entre as Forças Armadas e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. O tema ganhou força após o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), ter feito críticas a alguns membros do Exército devido ao suposto envolvimento em escândalos relacionados a compra de vacinas contra covid, investigados pelo colegiado. As falas do parlamentar não agradaram a cúpula das Forças Armadas, que lançou uma nota criticando suas declarações. Para membros do colegiado, a reação foi uma tentativa de intimidar os trabalhos da CPI.
Ao comentar sobre o fato, Mendes afirmou ser importante que os poderes tenham noção de suas competências e atribuições, para evitar tensões dispensáveis ou desnecessárias.
— Eventuais exageros de um lado ou de outro encontram sempre um modo de ser contraposto, e há formas legais de fazer os devidos reparados. Acho que é preciso reduzir esse nervosismo — disse. — Não é função das Forças Armadas fazer ameaças à CPI, ou ao Parlamento. Pelo contrário, as Forças Armadas têm o poder e o dever de proteger as instituições — concluiu.
Mendes também comentou sobre a indicação do advogado-geral da União, André Mendonça, aliado de Bolsonaro, à vaga do STF. A indicação cumpre a promessa do chefe do Executivo de indicar alguém "terrivelmente evangélico" para o Corte. Mendes afirmou que mais que terrivelmente evangélico, é preciso que Mendonça seja um "terrível defensor da Constituição".