Tenho cá, nas minhas estantes vergadas, uma edição de 1946 de “O 18 Brumário de Luis Bonaparte”, autoria de Karl Marx, aquele velho comunista. Na contracapa está impresso o preço do livro: “Cr$ 10,00”. Ou: 10 Cruzeiros. Quanto seria em Real do século 21 esses 10 Cruzeiros de 1946? Gostaria de descobrir.
Mas o que interessa agora é a abertura dessa pequena obra do filósofo que, escrevendo sentado sobre seus furúnculos, abalou a Humanidade. Eis:
“Hegel disse em algum lugar que todos os grandes feitos e personagens da história universal produzem-se duas vezes. Esqueceu-se, porém, de acrescentar: uma vez como tragédia e outra como farsa”.
Essa frase se despegou do livro e ganhou vida própria. “O 18 Brumário de Luis Bonaparte” é um texto importante para a história e para a filosofia, mas ficou soterrado pela força do seu primeiro parágrafo.
Pena que Marx não tenha conhecido o Brasil. Se conhecesse, concluiria que, por aqui, abaixo da Linha do Equador, a história se produz duas vezes: a primeira como farsa e a segunda como outra farsa.
Provo. E o faço com exemplos ainda quentinhos, coisa de dias.
Deu-se que, indagora, em 10 de novembro de 2020, em meio a uma pandemia planetária provocada por um vírus, Bolsonaro ameaçou atacar militarmente os Estados Unidos. Isso caso o presidente eleito, Joe Biden, imponha ao Brasil restrições econômicas devido às queimadas na Amazônia.
No mesmo dia, o embaixador americano publicou um vídeo em comemoração aos 245 anos dos marines, o maior corpo de fuzileiros navais do mundo. Era, obviamente, uma resposta irônica ao presidente fanfarrão. O embaixador não levou a bazófia sério, porque sabia tratar-se de uma farsa.
Pois também num 10 de novembro, em meio a uma pandemia planetária provocada por um vírus, só que em 1918, o Brasil estava, realmente, em guerra e, o mais espetacular, ATACOU OS ESTADOS UNIDOS!
Sério.
O país havia entrado tardiamente na I Guerra Mundial, ao lado dos aliados, e enviara navios para a Europa, a fim de participar da luta. Só que ninguém lutou. Na África, os marinheiros brasileiros foram atacados não pelos alemães, mas pela Gripe Espanhola, e morreram às dezenas. Tudo bem, a guerra já estava mesmo para acabar. Porém, antes do fim, o Brasil entrou em ação.
No Estreito de Gibraltar, os vigias do cruzador “Bahia” avistaram uma mancha que parecia o periscópio de um submarino. Seriam os alemães? Como diria Marco Antônio, general de César, “na dúvida, ataque”. O cruzador brasileiro abriu fogo contra o suposto submarino, que era, de fato, apenas suposto. Quando os marinheiros olharam melhor, viram que tinham investido contra um cardume de toninhas, que são uns bichos bonitos e inocentes, parecidos com os golfinhos. Foi um massacre: 46 toninhas morreram ante à fúria tupiniquim. No lado brasileiro, nenhuma baixa. Esse episódio ficou conhecido como “A Batalha das Toninhas”.
Ainda no mesmo 10 de novembro, o contratorpedeiro “Piauí” abriu fogo contra um caça-submarinos. Desta vez, era uma embarcação de verdade, e não um animalzinho. O problema é que o caça-submarinos não era inimigo; era amigo, de bandeira norte-americana. Por sorte, os brasileiros erraram a pontaria e ninguém se machucou. Sorte maior foi que a guerra terminou no dia seguinte, e nossos compatriotas voltaram para casa. Melhor assim. Entre uma farsa e outra, o mais saudável é viver em paz.