A eleição se resumiu, na prática, a um plebiscito. Os americanos votaram contra ou a favor de Trump. Neste particular, houve semelhanças com as eleições brasileiras de 2018, com uma diferença: no Brasil, ninguém votou a favor de ninguém. Quem votou em Bolsonaro, voltou contra o PT; quem vou em Haddad, votou contra Bolsonaro. Só agora, depois de eleito, é que Bolsonaro consolidou o bolsonarismo e ganhou eleitores que votam nele exclusivamente pelo que ele representa.
De toda maneira, o certo é que, tanto lá quanto aqui, as populações estão divididas. A ruptura é profunda. E é impossível de ser ignorada, porque as massas em oposição são muito significativas, quase metade do país, cada uma.
Existe, no entanto, uma alvíssara. Que é, exatamente, o fato de Biden ser um candidato que jamais empolgou o eleitor. Ele é um político veterano, já está em idade de se aposentar. Isto é: não tem a energia e os arroubos de um jovem cinquentão. Além disso, não é carismático, nunca foi um líder importante e não propõe projetos de grande mudança.
É do que precisam os Estados Unidos. É do que precisa o Ocidente.
Biden, se quiser soldar a fratura da comunidade, terá de calar mais do que falar. O ideal seria não tentar interferir em questões morais, que sempre rendem polêmicas tolas e ressentimentos difíceis de reparar. Até porque, cá entre nós, nenhum governo tem poder para fazer a sociedade se deslocar para qualquer lado, no terreno moral. Ações governamentais, neste setor, são inúteis e, em geral, ridículas.
É a sociedade que muda, movida por forças invisíveis, mas bem perceptíveis. Aos poucos, as pessoas deixam de aceitar certas coisas ou passam a aceitar outras. São transformações causadas por vários fatores. O principal deles, a contingência econômica. Assim, a sociedade se movimenta, e, para onde ela for, vai a lei. Ou seja: é a sociedade na frente e a lei atrás. Depois delas, bem depois, o governo.
Um presidente que tenha como projeto reunificar a nação, portanto, deve evitar o protagonismo no debate moral. Se instado, responde. Mas sempre de forma anódina, evitando ferir suscetibilidades.
Biden tem de governar como se estivesse no bar. Se você for da noite, vai me compreender. No bar, com os amigos, há uma regra implícita de comportamento, para manter a harmonia do grupo: certos assuntos devem ser contornados. Nada de Lula, Bolsonaro ou cloroquina. Sejamos amenos, e a noite vai acabar bem.
Um governo, nos dias de hoje, deve se guiar por essa sabedoria. Deve se concentrar na administração dos serviços públicos e no controle da economia, e deixar que a sociedade resolva os seus próprios dilemas. O governo, nos dias de hoje, não deve ser quente, nem deve ser frio. Seja morno, ou eu te vomito.