Sem que tocasse no assunto, as pessoas vinham falar comigo sobre a morte daqueles sete bandidos durante um assalto a banco no Interior na semana passada. Elas estavam felizes. Sério. Houve júbilo entre os gaúchos, ao ser revelado que todos os assaltantes morreram na ação.
Alguém mais sensível talvez considere isso prova de barbárie, mas esse alguém decerto não conhecerá a nossa realidade. As pessoas, no Rio Grande do Sul e em grande parte do Brasil, vivem atormentadas pela ideia de que, mais dia, menos dia, terão, diante dos olhos, a boca de uma arma.
Os gaúchos sentem medo e é muito difícil viver com medo. O medo torna agressivas as pessoas mais pacíficas. O medo embrutece.
É por isso que as pessoas têm uma irrefreável sensação de gratidão quando bandidos são eliminados. Elas suspiram: menos um para incomodar.
No entanto, apesar de o trabalho da polícia ter sido festejado, não é esse tipo de bandido, o assaltante de bancos, que mais aflige a população. Tive a oportunidade de dizer isso para o secretário da Segurança, Ranolfo Vieira Junior, durante o Timeline, da Gaúcha: o que realmente angustia a população é o assalto a pedestres, são as investidas a ônibus e lotações, é o ataque debaixo do semáforo ou na entrada de casa, é o roubo de celulares. Junte essa situação às pichações e depredações e o resultado da soma é uma cidade feia, suja, hostil e perigosa, um lugar em que as pessoas não podem caminhar na rua sem olhar para os lados, em que precisam esconder seus bens quando vão a uma praça, em que os pais não dormem enquanto os filhos não voltam para casa nas noites do fim de semana.
O secretário me ouviu e… concordou! Acrescentou que o que produz a tão prezada “sensação de segurança” é exatamente o baixo índice desse gênero de ocorrências. Fiquei contente. É bom quando as autoridades sabem quais são os problemas da população. E perguntei o que o Estado pode fazer para resolver a questão. Pois a resposta do secretário me frustrou. Porque, na verdade, há muito pouco a fazer. A legislação e a estrutura prisional não permitem que esse tipo de crime seja punido como deveria.
De fato, não faz muito, a polícia divulgou que 60 pedestres são assaltados por dia em Porto Alegre. Sessenta! É o inferno.
Na matéria de GaúchaZH em que a estatística foi publicada, o diretor da delegacia regional, Fernando Soares, declarou o seguinte:
– Por um roubo de celular, é difícil conseguir manter alguém preso. Mas se reunirmos 20, 30 casos, é outra coisa.
O cara pode roubar até 30 celulares sem que a lei o perturbe. Quer dizer: ele roubou 28 e lamenta:
– Agora só posso roubar mais dois…
Claro, não é culpa da polícia, nem dos governantes. É culpa nossa, do modelo de país que construímos. Semanas atrás, Lula discursou:
– Eu não posso mais ver um jovem de 14, 15 anos assaltando e sendo violentado e assassinado pela polícia, às vezes inocente ou às vezes porque roubou um celular.
Eis aí! É essa mentalidade supostamente humanitária que forjou um país onde um “jovem de 14, 15 anos” pode roubar não um, mas 30 celulares sem que o Estado interfira. A tragédia é que, criado na leniência e na permissividade, o jovem vai ficar mais velho, mais poderoso e mais ambicioso. Será ele o futuro chefe do tráfico, o assassino, o estuprador, o ladrão de bancos. Será ele que morrerá num confronto com a polícia. E, então, sua morte não produzirá dor, produzirá alívio. Tudo porque, no Brasil, ninguém acha importante o roubo de um celular.