Em janeiro de 2016, Bolsonaro entrou no estúdio da Gaúcha para dar entrevista ao Timeline. Eu, o Potter e a Kelly conversamos com ele durante bastante tempo, mais da metade do programa. Falamos de diversos assuntos. Os que mais chamaram atenção foram os de sempre, em se tratando de Bolsonaro: suas polêmicas opiniões a respeito da ditadura militar, dos gays, da igualdade de gêneros.
O programa foi interessante, mas saí dele incomodado, só não sabia por quê. Mais tarde, naquele mesmo dia, liguei para o Potter e começamos a analisar a entrevista. Chegamos à mesma conclusão: nossa abordagem havia sido errada. Passamos muito tempo discutindo antigas declarações preconceituosas do candidato e praticamente não tocamos nos problemas concretos do país, entre eles o ponto essencial da campanha dele: a segurança pública.
Se Bolsonaro falava tanto naquele assunto, por que não desenlear suas propostas para a segurança pública, a fim de descobrir se eram factíveis?
Desde aquele dia, eu e o Potter repetimos que as chances de Bolsonaro se eleger presidente da República eram sólidas. E que a forma como os jornalistas o entrevistavam era completamente equivocada. Cada vez que um jornalista perguntava a Bolsonaro acerca de suas ideias morais, ele, Bolsonaro, crescia, e nada ficava esclarecido.
Sobre esse assunto, recebi, outro dia, um e-mail do leitor Aníbal da Rosa Gomes Filho. Era uma crítica, mas fiquei muito feliz com ela. Aníbal escreveu o seguinte, e os grifos são todos dele:
"Vamos fazer uma autocrítica justa e sincera. Isso também é consequência dos grandes escritores, colunistas e articulistas, como o senhor, que HÁ MUITO TEMPO ESCREVE COLUNAS INTEIRAS alertando sobre o risco da eleição Bolsonaro. Faça uma busca em suas colunas anteriores HÁ MAIS DE ANO, e veja que em várias delas o senhor escreveu sobre o risco e o perigo da eleição desse cidadão. O senhor sabe melhor do que eu o papel que a imprensa desempenha e o poder de formação de opinião que ela tem. Portanto, vamos repartir as responsabilidades".
Aníbal queria dizer que eu, por alertar que Bolsonaro poderia se eleger, sou culpado por Bolsonaro provavelmente se eleger. Só que é o contrário: eu avisei, vocês é que não ouviram.
Em algo, porém, Aníbal está certo: a imprensa cometeu erros. Há praticamente quatro anos Bolsonaro percorre o Brasil fazendo campanha, sendo carregado nos ombros das pessoas nos aeroportos, enchendo praças para fazer comícios, recebendo ovação por onde passa. Durante todo esse tempo, ele não foi levado a sério. Nenhum veículo de imprensa prestou atenção nele. Ele era visto apenas como um tipo exótico, um homem antigo, que se move por ideias antigas. A imprensa deu de ombros. Ninguém foi aonde ele estava, ver o que estava acontecendo. E, quando o entrevistaram, os jornalistas não fizeram entrevistas; fizeram ataques.
A entrevista ao Jornal Nacional, antes da facada, foi o maior exemplo de como nós jornalistas lidamos com Bolsonaro, e de como Bolsonaro lidou com os jornalistas. Nós, jornalistas, vimos em Bolsonaro sempre a declaração polêmica, o preconceito repelente, o escândalo fácil. O eleitor viu outra coisa. Viu uma alternativa. Por que não enxergamos com os olhos do eleitor? Por que não conseguimos estender as linhas de compreensão para fora do nosso mundo? Por que achamos que só os nossos valores tinham importância?
Eis a nossa culpa. Nossa máxima culpa.