“O que há em um nome?” pergunta Julieta, na famosa peça de Shakespeare que leva o seu nome e o de Romeu. Ela continua: “O que chamamos de rosa exalaria o mesmo doce perfume se a chamássemos por um outro nome”.
Na história, ela se refere ao fato de não se importar que a família de Romeu seja inimiga mortal da sua. Em geral, o nome tende a importar, e muito. Na ciência não é diferente. A biologia veio da história natural. Os primeiros estudiosos, como Aristóteles, tinham uma paixão por identificar, descrever e classificar seres vivos, de acordo com a forma, que conseguiam ver. O trabalho de Darwin mostrou que algo que não conseguíamos ainda enxergar regulava a herança das mudanças de forma. Mais tarde, microbiologistas, armados de microscópios, começaram a identificar seres minúsculos – primariamente bactérias e vírus.
A maneira como as bactérias são identificadas e batizadas obedece a algumas regras e, para sua existência ser reconhecida, depende de poder ser cultivada, de forma reprodutível, em determinados meios de cultura. Essa nomenclatura foi suficiente por muito tempo, mas não vai resistir à era da genômica – e demais “ômicas”. Hoje, estima-se que existam mais de 5 mil novos micróbios identificados apenas por sua sequência de DNA, aguardando serem cultivados e identificados da maneira tradicional. Contudo, o número de meios de cultivo – misturas de nutrientes que estimulam o crescimento bacteriano – tornou-se um limitante: muitos micro-organismos identificados por sua sequência não crescem em nenhum deles.
Para solucionar o problema, alguns pesquisadores propuseram o SeqCode. Nesse website, as sequências de novas bactérias identificadas podem ser depositadas e registradas, e o sistema imediatamente busca todas as databases para garantir que a sequência é nova e única – caracterizando vida. A partir daí, o organismo poderia ser nomeado e descrito em uma publicação científica, inclusive com os nomes em latim usados para as espécies. Muitos microbiologistas já aderiram, e outros protestam, dizendo que uma bactéria identificada unicamente por uma sequência e não cultivada não é um ser vivo, mas só uma hipótese.
Se o SeqCode for adotado, em pouco tempo precisaremos de mais nomes do que podem ser imaginados em latim. Números, ao invés de nomes, serão necessários para descrever as espécies. Em uma época de BA.4 e BA.5, isso já não parece estranho. E não será. Quem insiste que Wuchereria bancrofti é muito mais poético do que um número não deve se desesperar. No mundo da ciência, nomes e números convivem em harmonia, a vida emergindo de sequências gênicas, cada vez mais simples de identificar. Talvez isso seja necessário para ensinar de vez que diversidade é regra, e não exceção. Ontem namorei comprar um sequenciador de DNA de bolso – todos nós vamos ter um. A hora de investir em biotecnologia é agora, seja qual for o seu nome, ou perfume.