Minha filha nasceu nos Estados Unidos há 25 anos. Primeiro filho, mãe jovem doutoranda em Imunologia. Para nos dar alta, a enfermeira me vacinou para rubéola, buscando prevenir problemas em alguma gravidez futura. E me perguntou se eu queria vacinar meu bebê com a vacina Sabin ou a Salk.
A primeira era via oral – a gotinha –, feita de vírus vivo atenuado. Era mais eficaz para controlar o vírus nas pessoas vacinadas que se infectassem, impedindo a doença. Havia um risco, muito pequeno, de o vírus da vacina adquirir uma mutação e infectar uma pessoa não vacinada. Desde que todos estivessem vacinados ao redor do bebê, o risco era praticamente nulo. Já segunda, injetável, não era tão potente, mas o vírus era inativado. Não havia risco, só que a proteção era menor.
Os Estados Unidos tinham uma política publica naquela época de gradualmente eliminar o uso da primeira em favor da segunda; estávamos em 1997. A pólio estava controlada; a Salk seria suficiente. Lembro de pensar, na época: puxa, aqui está a aplicação real de tudo o que eu estudo. Que bom que há duas vacinas e que hoje podemos gradualmente eliminar todos os riscos. Em 2000, os Estados Unidos deixaram definitivamente de vacinar com a Sabin. Assim como a maioria dos países desenvolvidos, incluindo Reino Unido e Israel.
Quando o vírus da poliomielite foi identificado no esgoto de Londres, no início deste ano, e logo em seguida em Nova York e Jerusalém, muitos ficaram surpresos. O vírus da pólio detectado nessas regiões é, portanto, derivado da vacina Sabin, que ainda é aplicada em muitos países da América do Sul, África e Asia – mas já aprendemos que fronteiras geográficas já não são barreiras para vírus. O esgoto de Londres é rotineiramente monitorado para diferentes vírus. Nova York e Jerusalém começaram a monitorar agora porque foram reportados casos de paralisia. E por que isso aconteceu? A resposta, muito simples, é: baixou a cobertura vacinal.
O vírus da pólio é muito competente em se multiplicar nas pessoas não vacinadas. Nos anos 1990, na Holanda, um foco de pólio em uma comunidade não vacinada afetou dezenas de pessoas e causou 59 casos de paralisia, com duas mortes. O vírus selvagem da pólio só ameaça hoje pessoas no Afeganistão e no Paquistão, onde a cobertura vacinal é baixa. Nesses países, nove casos foram registrados em 2022. Hoje, mesmo em países com mais de 90% de cobertura vacinal, se algumas comunidades começam a não se vacinar, a doença retorna.
No Brasil, onde ainda usamos a vacina Sabin em larga escala, se deixarmos de vacinar, teremos a volta da doença. Mais do que nunca, é necessária uma liderança nacional e internacional que oriente todos os países que ainda usam a vacina Sabin a substitui-la gradualmente pela Salk, como foi feito há 20 anos nos EUA. A pólio causa paralisia em uma a cada 200 das pessoas que infecta. Por isso, três ou quatro casos de paralisia indicam que provavelmente milhares já se infectaram. Isso pode evoluir para um efeito cascata, com consequências desastrosas em nível global.