Para as pessoas que mentem e, quando confrontadas com a mentira, negam o que falaram mesmo que esteja registrado em áudio ou vídeo, não há limite. A não ser que se coloque um. Deve dar uma liberdade, eu acho, mentir sem consequências. A maioria das pessoas se constrange ao mentir. Os polígrafos (detectores de mentira) são baseados em alterações fisiológicas: quem mente tem aceleração de batimentos cardíacos, perspira. Mas você pode ser treinado para controlar isso e mentir com mais tranquilidade; ou você pode ser um sociopata, e isso vem então naturalmente. A máscara que usam não é de tecido.
Pensei nisso hoje quando, entre palestras e reuniões, lia mensagens de amigos que moram nos EUA e na União Europeia. Para eles, a vida recomeçou. Podem fazer reuniões presenciais, viajar, ir a restaurantes. Estados como Massachussets e cidades como Los Angeles vivem vários dias sem uma única morte por covid-19. Em Nova York, o turismo recomeçou. Visitantes recebendo vacinas como prêmio para ajudar a retomar as atividades na Grande Maçã. Liberdade conquistada por imposição de meses de isolamento e vacinação ampla.
A vida no Brasil continua um pesadelo, sem sinal de melhora – muito pelo contrário. Quem mora no país vive hoje tragédias, perde pessoas queridas, corre riscos. Por que, pergunto, escolhemos isso para nós? Dia após dia, revolta assistir, na TV, aos responsáveis por ignorarem os cientistas mentindo placidamente. Mentirem que não promoveram tratamentos errados, que não incentivaram aglomerações, que não buscaram vacinar a população.
Até quando vamos permitir que essas pessoas não apenas claramente despreparadas, mas também desinteressadas em nossas vidas, seja as responsáveis por elas?
O prefeito de Porto Alegre, num gesto teatral que imita os que removem as máscaras nos EUA hoje, dá um patético exemplo. Não pode reivindicar essa liberdade quem não fez o trabalho duro de suportar o desgaste de ser impopular ao priorizar a saúde versus o lucro de alguns. Faz isso plenamente ciente de que não temos nem perto da segurança das cidades americanas que investiram pesadamente em medidas de isolamento e vacinação. Ou seja, continua colocando pessoas em risco.
Desde o início da pandemia os cientistas avisavam que a solução era isolamento, estudar a doença e desenvolver vacinas. Hoje isso está tão claro que tantos mentirosos correm a apagar publicações. O problema está longe de acabar – teremos de lidar com as sequelas dos pacientes de covid-19 que sobreviveram. Mas, a cada passo que damos, ainda há quem ignore e minta. Apenas quando pararmos de mentir para nós mesmos de que isso é normal é que algo vai mudar.