Para os que reclamavam da evasão de cérebros do país, porque não há emprego nem políticas de financiamento à pesquisa, o governo resolveu acabar de vez com o problema: vamos parar de formar cientistas. Essa foi a resposta clara do resultado do edital de bolsas de doutorado e pós-doutorado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) divulgado nesta semana.
A bolsa é o salário dos jovens pesquisadores, que são a principal força de geração de conhecimento e inovação no Brasil – e no mundo. Há mais de 10 anos os valores não são reajustados. Foram solicitadas 3.080 bolsas e apenas 396 (13%) foram aprovadas para implementação. Esse edital previa R$ 35 milhões em recursos a serem usados em quatro anos. O CNPq reduziu para R$ 23 milhões, sem aviso, alegando que o restante será “reservado” para outra oportunidade.
Isso vem desde 2019 – mais de 80% do orçamento de todos os níveis do CNPq foram cortados. O CNPq é um órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, e a principal fonte de financiamento de pesquisa dessa pasta. Neste momento, o mundo inteiro sabe que depende de ciência e tecnologia para enfrentar esta que ficará para a história como uma das maiores crises mundiais de saúde pública. O mundo está sendo liderado por países que realizaram investimento constante e robusto em ciência e tecnologia. E a escolha do Brasil é agir exatamente na contramão disso. As políticas tecnológicas do governo brasileiro não são fruto de ignorância nem tampouco simbólicas; são ações pensadas, que resultarão no extermínio da ciência nacional.
A política de ciência e tecnologia de um governo deve servir – como servidor público que o governo deve ser – aos interesses da população e das gerações futuras. Deve garantir soberania nacional e independência tecnológica e oportunizar o máximo aproveitamento do capital humano. O treinamento científico forma pessoas com pensamento crítico, capacidade de resolver problemas e propor soluções inovadoras. A quem interessa eliminar esse tipo de formação?
A divulgação dos resultados do edital gerou um movimento forte entre os cientistas membros dos comitês de análise e seleção de projetos e bolsas submetidos ao CNPq para que renunciem coletivamente. Há dois anos trabalham voluntariamente, um trabalho altamente especializado que requer analisar problemas complexos e prever resultados, para que suas recomendações sejam desconsideradas pela diretoria do CNPq. Eu sinceramente discordo. Quem efetivamente não está fazendo o seu trabalho é que deveria pedir para sair.