Não quero mais escrever sobre pandemia. Quero escrever sobre os processos da ciência, que este que é o melhor trabalho do universo, mesmo que tão complexo e cansativo. Para ser cientista, a gente tem de ser persistente, especialmente no Brasil de hoje. Na coluna anterior, falei da importância de aprovar o Projeto de Lei do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) sem vetos. No ano passado, 88% desse fundo, gerado por impostos de empresas de tecnologia, foram usados para pagar déficit do governo. Deveriam ter ido para ciência e inovação, e não foram mesmo quando mais precisávamos, para criar novos diagnósticos e vacinas.
A pandemia mostrou a importância de criar uma linha de financiamento emergencial para rapidamente responder a situações como a atual. Pesquisadores que ainda tinham algum recurso direcionaram o que puderam para os desafios que o novo vírus trouxe, mas poucos tiveram algum financiamento adicional que permitiu que a ciência continuasse – ainda assim, os trabalhos estão sendo publicados. Para ser cientista, a gente tem de ser criativo, especialmente no Brasil de hoje.
Nos EUA, no ano passado, não era muito diferente. Mas lá existem instituições que garantem aos seus pesquisadores financiamento constante. Em uma delas, a Rockefeller University, Theodora Hatziiouanou e Paul Bieniaz foram persistentes e criativos. Enquanto Nova York estava em lockdown, os cientistas do seu laboratório, que têm moradia garantida no campus, adaptaram um sistema que eles já tinham, de um vírus inócuo fluorescente, que pode entrar em células, deixando-as verdes. Colocaram o gene da proteína S do SARS-CoV-2 no vírus e estudaram se ela poderia mutar ao longo do tempo e se anticorpos e pacientes poderiam acelerar isso. Assim, observaram o resultado dessa que é uma lei importante da natureza: a seleção natural.
Na plaquinha de cultura verde, a pressão seletiva não era falta de alimento, ou um meteoro, mas sim os anticorpos dos convalescentes. Os vírus verdes rapidamente se modificaram – adivinha onde? Proteína S. Novas variantes surgiam, em resposta aos anticorpos dos pacientes. Comparando essas sequencias novas com as de um banco de 50 mil pacientes, todas elas estavam lá – inclusive a famosa mutação E484K. Assim o vírus muta; quem seleciona somos nós, ao nos deixarmos infectar pelo vírus.
As novas variantes são respostas ao sistema imune dos milhões de infectados. Ao analisar se anticorpos gerados pelas vacinas Pfizer e Moderna protegem de diferentes variantes, Theodora e Paul viram que, por enquanto, ainda protegem. Mas, se formos lentos em vacinar e deixarmos mais alguns milhões se infectarem, isso vai mudar. Esse estudo é um dos muitos que nos permitem saber, ao invés de achar, que medidas de restringir ao máximo a circulação de pessoas – e do vírus – enquanto não temos vacinas são cruciais para salvar vidas e evitar o colapso. Ser cientista é trabalhar mesmo sem condições, tentar educar e ver os gestores te ignorarem. Especialmente no Brasil de hoje.