A capa da Immunity, revista referência para os imunologistas, trouxe neste último mês uma imagem que me emocionou. Pessoas e crianças brincam na neve, numa paisagem típica de fim de ano do Hemisfério Norte. Isso é observado através de uma vidraça por um(a) cientista, visto(a) de costas, tranquilamente sorvendo um cafezinho. Em primeiro plano, um daqueles globos de vidro que se compram em loja de turista; só que, em vez de neve, contém o vírus. A imagem fala: tarefa cumprida; vírus sob controle; podemos relaxar. Problema que surge, problema que se analisa e que se resolve. Esse é o mundo em que eu vivo; não é, infelizmente, o mundo em que estou.
No mundo em que eu vivo, 2020 fecha com quatro vacinas comprovando eficácia contra o novo coronavirus, desenvolvidas e testadas em tempo recorde. Para aqueles que invejam a proteção maior de 90% das vacinas de mRNA, eu digo: isso é resultado de investimentos sólidos de mais de século em tecnologia. País soberano é país que domina tecnologia.
Mas ciência é tão confiável, que, veja só: mesmo no Brasil, com déficit histórico de investimento em ciência, realizamos testes de vacinas – que funcionam. A vacina testada pela Fiocruz tem no mínimo 60% de eficácia; a testada pelo Butantã provavelmente tenha isso também. O que, acreditem, é muito bom: muitas das vacinas que controlam doenças no mundo todo, como gripe e BCG, são assim.
Claro, queremos vacinas como a do sarampo, que protege mais de 90% da doença; ou a da pólio, que protege completamente da infecção. O Programa Nacional de Vacinação do Brasil é exemplo no mundo todo, e tem a logística para distribuir todas essas vacinas.
O Brasil é o único país da América Latina que poderia ter desenhado, testado, produzido e distribuído sua própria vacina. Mas, no mundo em que estou, não existem pedidos de registro de vacinas junto à Anvisa. O único, feito pela Pfizer, foi negado pela agência, que, hoje, infelizmente, perde gradativamente sua credibilidade por associação a um governo federal que desde o início nega a pandemia, as vacinas e sua própria incompetência frente à realidade.
A vacina testada pela Fiocruz tem no mínimo 60% de eficácia; a testada pelo Butantã provavelmente tenha isso também. O que, acreditem, é muito bom: muitas das vacinas que controlam doenças no mundo todo, como gripe e BCG, são assim.
Conselhos regionais de medicina não punem profissionais que espalham mentiras sobre tratamentos que colocam a saúde das pessoas em risco. Assistimos, cansados, ao desfile de fiascos, que deixam de ser vergonhosos: tornam-se criminosos. Será que dá para mudar isso? Será que queremos mudar? Ciência é, mais do que uma disciplina, uma forma de pensar. Questione tudo; analise todas as evidências; decida baseado em fatos. No ano que passou, a ciência nunca foi tão violentamente atacada – sem se deixar abalar ou distrair de um objetivo central: vamos controlar a pandemia. No mundo em que eu vivo, tarefa cumprida. No mundo em que estou, que isso nos ensine e nos inspire – são os meus votos para 2021 e para todos os anos que virão.