Conto sempre a meus alunos uma história que ouvi há quase 20 anos, sobre um velho professor universitário, já falecido. No início de cada aula, ele desenhava num canto do imenso quadro negro uma pequena cruz. Não falava sobre isso, apenas desenhava, respirava e começava a aula. Um dia, questionado por uma colega curiosa, respondeu que rezava para que não surgisse durante a aula alguma pergunta cuja resposta ele não soubesse. Seu maior receio, durante uma aula, era dizer “não sei”.
Conto essa história porque me faz compreender uma maneira de pensar completamente oposta à de um cientista. Para essas pessoas, dizer “não sei” é vergonhoso. Quase como admitir uma inferioridade. Poderoso é quem sempre tem respostas. E, de fato, da maneira como a ciência é ensinada na maioria dos lugares, ela parece uma série de fatos consumados. Respostas prontas a marcar em questões de múltipla escolha. E isso não pode estar mais distante, ser mais completamente diferente, do dia a dia de um cientista.
Os artigos científicos, onde são publicados os resultados de uma pesquisa, todos eles, sem exceção, começam mais ou menos assim: não sabíamos algo; hipotetizamos que seria da maneira X; testamos assim e assado; e o resultado foi Y. O cientista vive e respira na fronteira do conhecimento. Ciência acontece quando alguém admite: não sei; mas quero descobrir.
Portanto, a lição número 1 para quem quer ser cientista é aceitar confortavelmente que sempre existirão coisas que não se sabe. Se você sabe tudo, como pode aprender algo? Alguns podem responder: “mas não quero aprender nada, já sei tudo o que preciso”. Mas eu retrucaria: e se acontecer algo impensável, algo tão novo que modificar totalmente o seu mundo? Uma pandemia, por exemplo; ou uma mudança climática tão monumental que alague a maioria das áreas que hoje sediam cidades?
Se você não foi treinado, como um cientista, a conviver – e, eu diria, confortavelmente – com a dúvida, experimente dizer em voz alta: não sei. E aí? Vai me dizer que não vem uma sensação de liberdade? Não sei, mas vamos tentar descobrir. Existe metodologia para realizar as investigações – isso é ciência. Hoje, na situação de emergência que vivemos, ver as pessoas finalmente se interessando por isso me traz um misto de felicidade com alívio. Porque entender como nós abordamos os problemas que nos propomos a solucionar não serve apenas pra testar vacinas. Serve para a vida. Como funciona a caixa d’água do seu condomínio? Ou o sistema de esgoto da sua cidade? Como a ponte sobre o Guaíba aguenta tanto peso? Como funciona o tratamento da sua pressão arterial?
Tudo bem se você não sabe; melhor ainda: você vai descobrir. Mais importante, repare em quem sempre tem resposta para tudo. O tratamento definitivo. A melhor vacina. Quem sempre sabe. Fuja dessas pessoas, e, principalmente, não vote nessas pessoas. Corra, como se sua vida dependesse disso. Porque depende.