Sempre fico intrigada quando vejo pais dizendo para seus filhos que pode qualquer coisa. Sempre me pareceu estranho, pois os pais são aqueles que precisam ensinar aos filhos que viver em sociedade é saber respeitar o limite dos outros. Ultimamente, vejo com mais estranhamento ainda muitos desses pais apoiando a volta às aulas no meio da pandemia. Os governos e prefeituras, pressionados por todos os lados, não tem sabido lidar nem com a questão do comércio e tendem a ceder e aprovar a volta à escola, pois em outros países isso já está acontecendo. Esquecem que, nesses países, houve controle do coronavírus. As pessoas foram testadas, os positivos, isolados, houve um planejamento combinando lockdown inicial e retomada gradual, que aqui, simplesmente, não aconteceu. E é por isso, e apenas isso, que estamos nessa indefinição que parece perpétua e, posso dizer com certeza, não vai terminar tão cedo.
Não testamos sistematicamente e não rastreamos contatos de positivos, e, portanto, não temos instrumentos confiáveis para planejar com segurança as ações de retomada. Inicialmente se acreditava que as crianças não contraíam o vírus na mesma proporção dos adultos por não apresentarem sintomas graves. Uma das hipóteses era a de que elas expressavam níveis menores do receptor viral em suas células. Estudos mais recentes, incluindo um do JAMA Pediatrics, demonstraram por teste de PCR que crianças podem ter a mesma quantidade ou mais de material genético do vírus em seu trato respiratório superior do que os adultos. Falta ainda confirmar se as crianças podem transmitir o vírus: isso se faz coletando material do nariz das crianças e mostrando que ali tem vírus capaz de infectar células. Portanto, não sabemos ainda se as crianças podem ser vetores assintomáticos de transmissão de Sars-CoV-2 como são de outros vírus respiratórios e gastrointestinais.
Outros estudos, alguns publicados pelo New England Journal of Medicine, mostram que um percentual pequeno, mas significativo de indivíduos entre zero a 21 anos infectados com o Sars-CoV-2 apresentam uma síndrome inflamatória grave, com comprometimento respiratório, gastrointestinal e cardiovascular, que pode ser fatal. Essa síndrome, semelhante à doença de Kawasaki, foi caracterizada como Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) no Brasil. Reportada em nota do Ministério da Saúde, atinge na maioria crianças entre seis a 12 anos de idade. A prevalência ainda é incerta, pois o diagnóstico da covid-19 em crianças não tem sido realizado de forma sistemática. Não parece estar associada a nenhuma etnia ou doença pré-existente, e não sabemos ainda como prever quais crianças têm o potencial de desenvolvê-la. E não parece, com certeza, ser este o momento para o retorno de crianças à escola. Para quem tem dúvida se criança pode ficar doente com o Sars-CoV-2: definitivamente, sim, pode.