Quando arqueólogos encontraram a múmia do faraó Ramsés V, no Egito de 1898, notaram que o rosto estava coberto de marcas profundas. Imediatamente reconheceram nelas as lesões desfigurantes comuns da varíola.
Ramsés V reinara entre 1149 e 1145 a.C., e a varíola ainda matava milhares de pessoas no mundo no final do século XIX, 3 mil anos depois. Nenhuma delas imaginava que, apenas 80 anos mais tarde, a doença seria declarada erradicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Hoje, se um de nós descobrisse uma múmia de um doente contemporâneo do faraó, não saberíamos reconhecer tais marcas: quem nasceu a partir no fim dos anos 1960 nunca viu alguém com varíola.
Naquela década, os últimos bolsões da doença foram detectados na Índia e no Sudão. Equipes de profissionais da saúde foram montadas pela OMS e deslocadas para os locais dos casos, onde vacinaram os habitantes das redondezas, bem como seus contatos em aldeias e cidades vizinhas. A vacina foi desenvolvida no século XIX, mas o último caso letal se deu em 1977. Abria-se uma nova era, em que milhares não mais teriam de morrer a cada vez em que o vírus reemergisse.
Só era preciso desenvolver vacinas para todos os patógenos. Contudo, isso se mostrou mais difícil do que se esperava. Ficou claro que a proteção para cada doença dependia de respostas imunes diferentes. E que nem todas as vacinas poderiam ser iguais à da varíola. Em qualquer caso, a melhor vacina seria a que induzisse a melhor resposta.
A tecnologia para desenhar e produzir vacinas avançou com velocidade impressionante nos últimos 40 anos. Don Francis contou, aqui em Porto Alegre, que, na Índia, durante a campanha final, a vacina era feita infectando a barriga de ovelhas com o vírus, depois raspando o material que, após uma lavagem rápida, era envasado e usado para imunizar! Quanta diferença de hoje, em que a vacina mais recente para o Sars-CoV-2 a ser testada em humanos é produzida por máquinas que sintetizam artificialmente fragmentos do material genético do vírus.
Existem mais de 150 vacinas em desenvolvimento para o Sars-CoV-2, sendo que cinco já estão com testes em humanos, em fases mais ou menos avançadas. Todas com resultados razoáveis e bom potencial de proteção. Mas, tanto nesse caso como no da varíola, só campanhas regulares e massivas de vacinação geram o que chamamos de imunidade de rebanho.
De qualquer outra maneira, ela é impossível, pois a todo momento as pessoas migram e seus contatos se expandem; nascem pessoas não vacinadas e outros adoecem ou envelhecem e se constituem grupos de risco. Para qualquer um que diga o contrário, a melhor resposta que você pode dar é que a pessoa ou está muito mal informada ou muito mal-intencionada. Ramsés V que o diga.