“Em tempos de engano universal, dizer a verdade é um gesto revolucionário.” Citam George Orwell como a fonte dessa frase – que, convenhamos, é muito linda. Contudo, Orwell nunca escreveu isso, como atestaram estudiosos da obra do autor – o que pode ser facilmente checado por algoritmos de busca online. A confusão gerada pela mentira permite aos mentirosos agir em benefício próprio. Quando isso é permitido, e por um longo tempo, a líderes de um país, a consequência é o desastre que vemos hoje no Brasil e nos EUA.
Surpreende que mesmo nos EUA, onde existe tecnologia e estrutura para combater a pandemia, negar a verdade está tendo o mesmo efeito devastador do que aqui, onde não temos nem acesso a insumos para desenvolver testes diagnósticos.
O fato de todas as empresas que desenvolvem vacinas quererem testá-las no Brasil é um dividendo macabro dessa mistura de negação com incompetência colossal. Testam-se as vacinas onde há o maior número de casos e, principalmente, mortes. O Ministério da Saúde está pagando centenas de milhões de reais à multinacional Astra-Zeneca, chamando isso de parceria. Se tivessem investido esse valor em ciência brasileira, teriam nos tornados autossuficientes em testes e vacinas.
Essas tecnologias são perfeitamente dominadas pelos profissionais em universidades e institutos de pesquisa do país. Soberania, hoje, é garantida por tecnologia. Mas a opção foi usar a excelente estrutura pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para reproduzir tecnologia estrangeira.
Outra opção infeliz é desvincular políticas econômicas de resgate do compromisso com desenvolvimento. Auxílios governamentais são fundamentais neste momento, mas não deveriam ser financiados exclusivamente por impostos. A economista Mariana Mazzucato defende que governos usem a crise para reiniciar a economia, condicionando ajuda a grandes empresas a um compromisso em manter empregos, garantir planos de saúde a funcionários e implementar ações de sustentabilidade. Isso deveria existir para todas as empresas que se beneficiam de apoio publico. A Gilead, produtora do Remdesvir, vai cobrar US$ 3 mil o tratamento – sendo que recebeu mais de US$ 70 milhões de investimento do National Institutes of Health (NIH) para desenvolver a droga.
Ao invés de garantir, com a Gilead, tratamento acessível aos contribuintes americanos, o governo dos EUA comprou ações da empresa. Os riscos são assumidos pelo governo, mas os benefícios ficam no setor privado. Um governo precisa agir como um investidor. Precisa assegurar que o investimento que faz em empresas traga benefícios aos seus “acionistas”, ou seja, a população. Se alguém não entende, ou nega, a importância da educação, como esperar que entenda a magnitude desses erros? A não ser, é claro, que na verdade não haja compromisso com a população. Mas, daí, serve para quê, exatamente?