Ao contrário do que alguns políticos apregoam, não existe guerra em curso contra um inimigo invisível. Existe uma emergência de saúde pública, que poderia ter sido evitada se saúde, educação, ciência e tecnologia fossem prioridades.
Não há, ao contrário do que muitos insistem, guerra ideológica quanto ao uso da cloroquina para tratar covid-19. Li um comentário dizendo que cientistas acreditam que se deve ficar em casa e não fazer nada enquanto não tiver vacina. Respondi como respondo sempre: cientista não acredita. Cientista testa.
Há centenas de estudos em andamento testando drogas para tratar o coronavírus com diversos fármacos já aprovados. Nenhum deles, por enquanto, é conclusivo – isso leva tempo. Primeiro fazemos testes em tubo de ensaio – ensaios in vitro. O teste verdadeiro sempre é diretamente com as pessoas – são os chamados ensaios clínicos. Isso também leva tempo. Que eu saiba, cientista que está em casa hoje está de quarentena ou trabalhando loucamente lendo e escrever resultados, montando projetos, fazendo reuniões com colegas, no mundo inteiro. Os demais estão na universidade testando pacientes.
Liberar uma droga sem testar é anticientífico porque não se baseia em dados, mas em opinião. Qualquer um pode achar o que quiser. Não quer dizer que é verdade. Os dados, até agora, mostram que não existe diferença entre os pacientes tratados com cloroquina e os não tratados, seja em termos de recuperação, seja em número de óbitos. Isso pode mudar? Pode. Quando tivermos os resultados finais dos estudos. Mas, se nos basearmos apenas no estudo do primeiro grupo que propôs a cloroquina para o Sars-Cov-2, ela não funciona – embora eles, erradamente, tenham sugerido que funcionava.
É assim, infelizmente: há cientista ruim. Eles não duram muito, porque o método científico exige confirmação independente, ou seja: se for verdade, vários outros estudos precisam encontrar o mesmo resultado. E, se isso não acontece, o estudo é desacreditado – o próprio Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) já retirou a cloroquina das recomendações de tratamento. Infelizmente, não há solução rápida. Vacinas demoram porque precisam ser seguras. Fazer a vacina é relativamente simples. O teste da proteção e principalmente da segurança é que requer tempo.
Nos anos 1970, uma vacina emergencial nos EUA para o H1N1 causou paralisia em alguns porque foi liberada antes do tempo. Não é mágica que vai retirar o mundo desta situação, mas um profundo mergulho científico nesse problema complexo. Que até agora está desacelerado em comparação ao que poderia ser. Porque as tecnologias para resolver o problema já existem há muito tempo. Nós sabemos o que precisamos fazer, e estamos fazendo. Mas, nos últimos três anos, escolhas políticas – essas sim, ideológicas – mutilaram agências de fomento, desmontaram estruturas, desacreditaram profissionais. Um processo que já é lento por ser cauteloso ficou, por isso, mais lento. Mas o tempo vai mostrar quem fez as escolhas certas. Como mostrou que fosfoetolamina, proposta pelo então deputado que hoje é presidente, não era a solução mágica para curar o câncer.